
Ciclistas e partidos da oposição criticam excesso de carros e de velocidade e alertam para o perigo nas estradas. Câmaras municipais de Lisboa e do Porto defendem-se
Ciclistas e partidos da oposição criticam excesso de carros e de velocidade e alertam para o perigo nas estradas. Câmaras municipais de Lisboa e do Porto defendem-se
Mãos ao ar!” Ordena com ares de pistoleiro o pequeno Salvador, de 7 anos, aos ciclistas que estão com ele junto à Assembleia da República, em Lisboa. Minutos depois nove pessoas, homens, mulheres e crianças, disparam a pedalar pela avenida D. Carlos I abaixo em direção a Alcântara para mostrarem alguns dos desafios que Lisboa apresenta a quem se desloca de bicicleta no meio do caótico trânsito da capital. Fazem parte da MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, criada em 2009 por ciclistas urbanos voluntários para melhorar as condições de uso da bicicleta como meio de transporte. As críticas apontam a via estar “mal pensada para as bicicletas”, em particular na Avenida 24 de Julho, em que uma ciclovia termina subitamente a meio de Santos e têm de circular no meio do trânsito.
Laura Alves, produtora de conteúdos, de 44 anos, aponta o piso “cheio de buracos, remendos, tampas de esgoto”, a favorecer furos e quedas. “Não falo de alcatifar a cidade, mas não podemos dar-nos ao luxo de viver em cidades improvisadas e pouco seguras para quem anda de bicicleta.” Laura tem carta de condução, mas só se desloca em Lisboa de bicicleta por considerar “mais barato e mais rápido”, e alerta para a insegurança e razias dos automobilistas. “Já tive bate bocas com condutores que colocam a minha vida em perigo. Veem-me como um obstáculo, aceleram e ultrapassam-me em manobras perigosas. Há ainda desrespeito pelos mais pequenos e vulneráveis na via pública como os peões e ciclistas.”
Também a presidente da Mubi, Inês Sarti Pascoal, de 32 anos, passa por situações de risco nas deslocações de bicicleta. “Por desconhecimento ou ignorância, continuamos a ter carros que ultrapassam a bicicleta demasiado perto - e na nossa lei está definido que a ultrapassar tem de se guardar uma distância de 1,5m e ocupar a via adjacente. No outro dia ia a pedalar na estrada e um condutor de automóvel disse-me “Não podes andar aqui de bicicleta, isto não é uma ciclovia!”. Não deveria ser possível uma pessoa com carta de condução acreditar que só os carros têm direito a andar na estrada.”
Inês acredita que só se conseguirá mudar a cultura massificada do carro se houver apoios do Estado à cultura que incentivem o uso generalizado da bicicleta. “E isso passa por haver verba destinada para alterar fisicamente as nossas cidades, ao nível da mobilidade e urbanismo, para assim se conseguir ter infraestruturas pedonais e cicláveis de qualidade, mas também para haver campanhas para a alteração de comportamentos. Nem nos damos conta, mas sempre que ligamos a TV, vemos anúncios a carros. Abrimos o jornal, há anúncios a automóveis. Há filmes cujos cenários é o interior de um automóvel. Tem mesmo de haver uma campanha diferenciada da que tem havido, parece que desde que nascemos, que nos estão a vender este ideal de que temos de ter um carro e usá-lo.”
Esta profissional da área da sustentabilidade e educação ambiental considera que a política de mobilidade tem de andar lado a lado com as políticas sociais, de habitação, entre outras. “Num contexto de especulação imobiliária, em que as pessoas são empurradas para os subúrbios onde o preço da habitação é mais acessível, mas com pior qualidade para as deslocações a pé, de bicicleta e por vezes sem transportes públicos de qualidade, incentivando o uso do automóvel.” E ainda considera que as maiores barreiras à adoção da bicicleta como meio de transporte são “a falta de rede ciclável segura”, “a perceção de (in)segurança”, e ainda outros fatores como “falta de equipamentos de apoio”, como bicicletários, ou mesmo as pessoas não possuírem uma bicicleta.
O fundador da MUBi, Mário Alves, especialista em mobilidade e transportes, de 58 anos, recorda a morte da investigadora italiana Patrícia Paradiso, em Junho do ano passado, quando um automóvel abalroou a bicicleta onde seguia na Avenida da Índia, em Lisboa. “O perigo rodoviário em zonas urbanas tem uma “vacina” conhecida há muitas décadas - a redução e fiscalização das velocidades.” Mário Alves defende que a velocidade padrão dentro das zonas urbanas passe a ser de 30 quilómetros por hora, com vias sinalizadas excecionalmente a 50. E refere que um peão atropelado a 50 quilómetros por hora só tem cerca de 20% de probabilidade de sobreviver, enquanto a 30km/h tem cerca de 90% de probabilidade de sobreviver. “Há um grande sentido de impunidade para o incumprimento dos limites das velocidades em Portugal. É preciso mais fiscalização, aumentando o número de radares e de forças policiais. Falta coragem política.”
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