Caso da grávida transferida: Santa Maria diz que poderia ter falecido no hospital e pede que se abandone “empolamento mediático”
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Segundo os responsáveis do hospital, nada fazia prever que se desse uma paragem cardiorrespiratória na grávida que, depois de estabilizada e com um diagnóstico de pré-eclâmpsia, acabou por falecer numa transferência de ambulância para o Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa. O Santa Maria esclarece que um bebé prematuro de 31 semanas deve nascer no local onde vai ser internado - são recomendações internacionais. A falta de vagas no serviço de neonatologia, que precipitou a transferência, não é inédita em momentos de maior afluência. Grávida em trabalho de parto de gémeos prematuros teve prioridade
Na sequência da morte de uma mulher grávida no momento em que estava a ser transferida para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, o hospital de Santa Maria optou por chamar quatro profissionais a darem uma conferência de imprensa na manhã desta terça-feira.
No momento em que se fala de uma crise nos serviços de obstetrícia do país, e na falta de médicos da especialidade, uma grávida de 34 anos e nacionalidade indiana morreu no momento em que estava a ser transferida por falta de vagas no serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria, pertencente ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN). Segundo os responsáveis, o caso é mais complexo do que isso.
Em primeiro lugar, a mulher não tinha qualquer histórico clínico de seguimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS): “Terá vindo do estrangeiro dias antes e não falava português nem inglês”, começou por explicar Luísa Pinto, diretora do serviço de obstetrícia. Ainda assim, a equipa conseguiu perceber pelos relatos de familiares que a grávida começou a manifestar desconforto e que foi o agravamento desses sintomas que a levaram a procurar ajuda na Urgência do hospital.
Deu entrada no Hospital de Santa Maria, às duas horas da madrugada do passado dia 23 de agosto, com sensação de falta de ar e tensão arterial elevada. Deu-se-lhe o diagnóstico de pré-eclâmpsia, uma complicação da gravidez caracterizada por pressão arterial elevada que pode redundar num parto antes do tempo. Foi realizada uma ecografia obstétrica, reveladora de um feto com défice de crescimento.
Ainda assim, a grávida “representava um caso urgente mas não de emergência”, reforça a obstetra. Foi estabilizada e, já numa situação normal, foi transferida com um médico interno e dois enfermeiros, um deles especialista, para o Hospital São Francisco Xavier – o primeiro com vaga no serviço de neonatologia, onde o bebé prematuro teria de ficar internado. No Santa Maria havia, então, duas vagas mas estavam reservadas para um caso emergente: uma grávida já em trabalho de parto de gémeos igualmente prematuros, a rondar as 30 semanas de gestação.
Luísa Pinto sublinha ser “nada expectável” uma paragem cardiorespiratória durante o transporte. “A grávida chegou por meio próprio e foi estabilizada, foram garantidas condições de segurança e numa pré-eclâmpsia não estamos à espera que isto aconteça”, reforçou a diretora do serviço de obstetrícia daquele hospital.
Além disso, não é raro transferir grávidas quando faltam vagas para os partos de prematuros. A regra é sempre a mesma: o meio de transporte mais seguro do bebé é a barriga da mãe. Por outras palavras, o prematuro deve nascer no hospital onde ficará internado. Recentemente, o Hospital de São Francisco Xavier recebeu uma grávida de gémeos prematuros transferida da Maternidade Alfredo da Costa. A maternidade não tinha vagas para os bebés e o hospital tinha, mas faltavam-lhe obstetras para garantir o parto. A solução encontrada foi transferir a grávida com o acompanhamento de uma especialista para ajudar os colegas do São Francisco Xavier a fazerem parto, permitindo de seguida colocar os prematuros na neonatologia do hospital.
No caso da grávida transferida do Hospital de Santa Maria, contudo, o desconhecimento de alguma patologia prévia, como um problema cardíaco, pode ter feito falta aos médicos. Luísa Pinto admite mesmo que o episódio de paragem cardiorrespiratória poderia ter-se dado em meio hospitalar.
As manobras de reanimação feitas numa ambulância tornam a situação sempre mais difícil. Ainda assim, já no Hospital São Francisco Xavier, foi realizado um parto de emergência à mãe capaz de ter salvo o bebé, prematuro, que se encontra bem, refere André Graça, diretor do serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria.
A mulher ficou hospitalizada nos Cuidados Intensivos, mas acabou por não sobreviver.
Deve evitar-se que o bebé seja transferido fora da barriga da mãe
“É importante sublinhar o que a Dra. Luísa já disse. Quando há necessidade de transferência, o standard em todos os países no mundo é evitar que o bebé seja transferido fora da barriga da mãe”, reforça o neonatologista André Graça. Isto porque existe risco para um bebé prematuro ser transportado nas primeiras horas após o nascimento.
Perante a falta de vagas no serviço de neonatologia, porque “os recursos não são ilimitados e por vezes existem picos de internamentos que nos impedem de dar resposta internamente a todas as solicitações”, refere o médico, a decisão do hospital de transferir a grávida cumpre com as normas de atendimento em rede.
“O que deve ser feito, foi feito, ou seja, procurar uma vaga para a mãe e para o recém-nascido, que neste caso foi encontrada no Hospital de Francisco Xavier. Podemos dar exemplos de situações todas as semanas em que as grávidas são transferidas com os seus fetos e corre tudo bem”, assinalou ainda.
Luís Pinheiro, o diretor clínico da instituição, enviou uma nota de pesar pelo desfecho da grávida e uma nota de gratidão a todos os profissionais da instituição que dirige.
Nesta conferência de imprensa, não deixou igualmente de assinalar que o esforço dos profissionais em tecer esclarecimentos serve “para que se saia de um registo de empolamento mediático”, que, na opinião do clínico, tem sido dado ao caso, numa assumpção imediata que foi por falta de vagas que esta grávida morreu vítima de paragem cardiorrespiratória.
“O tratamento mediático dado é habitualmente transposto para patamares de discussão mediático-política”, nos quais o hospital evita imiscuir-se, refere.
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