Um novo capítulo em defesa da saúde dos oceanos deu passos nos últimos cinco dias na capital portuguesa. E, como esperado, a segunda Conferência dos Oceanos da ONU, aprovou a Declaração de Lisboa (já negociada previamente) e sem grandes sobressaltos.
Entre os seus 17 pontos, a Declaração assume a urgência de salvar os oceanos, a ligação estreita entre estes e as alterações climáticas, e a necessidade de “aumentar a ação, baseada na ciência e na inovação, e encontrar soluções e parcerias para as pôr em prática”.
Mas esta foi, também, uma conferência que agregou bilateral e multilateralmente mais de dois mil compromissos entre entidades privadas, públicas, filantrópicas, assim como de organizações governamentais e não governamentais.
Dez mil milhões de euros para salvar o oceano
Pelo menos “10 mil milhões de euros em investimentos” foram prometidos – €7 mil milhões pela União Europeia, €250 milhões pelo Banco Europeu de Investimentos, e €1100 milhões pela Austrália – segundo um primeiro balanço anunciado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, durante a conferência de imprensa final. Provêm de entidades públicas e privadas e visam apostar na chamada Economia Azul Sustentável, incluindo tanto investimentos para salvar a grande barreira de coral australiana, como para recuperar sapais e pradarias marinhas em várias partes do mundo ou, por exemplo, melhorar a resiliência climática e a gestão da água na região das Caraíbas, assim como para investimentos em energias renováveis offshore ou em aquicultura nos oceanos. Talvez seja o início do fim de se olhar para o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS14) como o menos financiado de todos até agora.
O sucesso e a juventude
O subsecretário-geral das Nações Unidas para Assuntos Jurídicos e o mais alto representante da organização neste último dia da Conferência dos Oceanos, Miguel de Serpa Soares sublinhou “o sucesso da conferência” e “o incrível momento para os oceanos que esta conferência e o ano de 2022 representam”. Para exemplificar, refere as decisões recentes da Organização Mundial do Comércio sobre o fim dos subsídios à pesca danosa, o anúncio dos primeiros passos para um acordo para acabar com a poluição por plásticos, reforçada na assembleia da ONU para o Ambiente em Nairobi, ou dos novos passos para regular o Tratado do Alto Mar, previstos para agosto em Nova Iorque.
Na sessão de fecho do plenário da conferência, Serpa Soares sublinhou a oportunidade que a conferência dos Oceanos trouxe para “desempacotar assuntos críticos e gerar novas ideias e compromissos”, mas também lembrou que “há ainda trabalho a fazer e que é preciso aumentar a ambição para recuperar os oceanos” e deixar como legado para as gerações futuras um oceano saudável e próspero”.
“Recebemos tantas propostas das gerações mais novas, algumas delas constam da declaração final. No futuro teremos de prestar ainda mais atenção a essas gerações. Sem elas, vamos perder o futuro e o presente”, sublinhou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso final no plenário da ONU. O chefe de Estado português sublinhou que os co-anfitriões Portugal e Quénia “fizeram o seu melhor para que esta conferência fosse bem sucedida”.
Pelo recinto do Altice Arena, do Pavilhão de Portugal, do Oceanário, do Centro de Congressos do Estoril, do Porto de Matosinhos ou da Universidade Nova SBE e pela praia de Carcavelos passaram mais de seis mil delegados, entre 26 chefes de Estado e de Governo, representantes de 150 países, e perto de duas mil pessoas ligadas a outras entidades, da academia, às empresas, passando por entidades filantrópicas.
A "ação" e a "paixão", segundo Marcelo
Se muitas organizações não governamentais de ambiente consideraram ser escassa a ação resultante desta conferência dos Oceanos, para Marcelo, o verbo “ação” e “paixão” foram sublinhados no presente e no futuro: “Ação no papel único dos Estados que são mais afetados. Ação no cumprimento de tantas promessas feitas aqui por quase todos os Estados. Ação na ciência e tecnologia, no mapeamento dos oceanos. Na implementação eficiente do tratado contra a poluição dos plásticos, mas também ação no futuro, contra a poluição causada por substâncias orgânicas e farmacêuticas. No financiamento eficiente da proteção de ecossistemas. Ação no aumento dos estados-membros que prometeram proteger 30% das áreas marítimas. Ação com a UNESCO nos objetivos da Década do Oceano. Ação para concluir um tratado vinculativo para a proteção da biodiversidade. Ação para acelerar o futuro tratado do Alto mar. Ação para integrar os oceanos na visão global do ciclo da água. Ação no papel dos poderes locais e regionais. Ação quando lutamos contra as desigualdades por todo o mundo, porque também elas estão a destruir os oceanos. Ação para que a próxima COP do clima seja a cumulação e não a repetição de apenas intenções. Ação que permita que a próxima conferência em 2025 seja o fim de um ciclo de ação e o início de outro de ações ainda mais ambiciosas” E concluiu: “A vida vale a pena viver com paixão. A ação climática vale a pena viver com ação. Lutar pelos oceanos vale a pena viver com paixão”.
A força da sociedade civil
Mais de 150 países, em conjunto com diversos atores da sociedade civil, acordaram aumentar e inovar ações com base no conhecimento científico para salvar os oceanos da crise que atravessam. Torná-los mais saudáveis e produtivos e salvaguardar a segurança alimentar que deles provem. assim como a sua capacidade amortecedora das alterações climáticas, enquanto grandes sumidouros de gases de efeito de estufa (absorvem 23% do carbono).
A Declaração de Lisboa lembra que os oceanos são pulmões do planeta, mas estão ameaçados pela acidificação, pela desoxigenação e pela poluição com origem em terra e que se a vida marinha não for restaurada e os ecossistemas restaurados, as aspirações do Acordo de Paris para enfrentar as alterações climáticas também estão em causa.
As decisões políticas da Conferência dos Oceanos servem também de ponte ou ligação a outras que se seguem, como a Conferência sobre Biodiversidade Marinha em Áreas fora da Jurisdição Nacional, a Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica (COP 15), onde se espera que seja tornada vinculativa a meta de proteger 30% da terra e do mar no planeta até final da década; ou a conferência do Clima (COP 27) que se realiza em novembro em Sharm-el-Sheik.
“Uma grande onda de ação positiva está a crescer”, sublinhou o enviado da ONU para os Oceanos, Peter Thomson, no plenário final.