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Oceanos: Carlos Duarte, o especialista “otimista com base científica”, diz que “a 4ª revolução industrial vai ser a recuperação do planeta”

Oceanos: Carlos Duarte, o especialista “otimista com base científica”, diz que “a 4ª revolução industrial vai ser a recuperação do planeta”

Confiante de que o mundo marinho está a recuperar, o oceanógrafo espanhol e consultor da Fundação Calouste Gulbenkian aposta na recuperação global das pradarias marinhas que globalmente têm capacidade para “sequestrar uma quantidade de carbono que equivale a 3% do PIB global”. Da conferência dos Oceanos de Lisboa, espera que “saia um mecanismo legal e vinculativo para a recuperação dos oceanos e não só um conjunto de boas intenções” para proteger espécies, pescar de forma responsável e eliminar a poluição

Oceanos: Carlos Duarte, o especialista “otimista com base científica”, diz que “a 4ª revolução industrial vai ser a recuperação do planeta”

Carla Tomás

Jornalista

As soluções do Oceano para os grandes desafios da humanidade são um dos focos de Carlos Duarte. O oceanógrafo, nascido em Lisboa, mas de nacionalidade espanhola, é considerado o “pai” do conceito de "carbono azul" – que encontra nas pradarias marinhas, sapais e mangais soluções naturais para combater as alterações climáticas. A descoberta da multiplicidade de genomas contidos nos oceanos e de como estes têm soluções para alguns dos principais problemas que a humanidade enfrenta é outro dos focos do especialista em ecologia marinha. Coordenou um dos maiores projetos científicos de circum-navegação oceanográfica — a expedição Malaspina – que descobriu que os ecossistemas do oceano profundo albergam 30 vezes mais peixe e mais 10 milhões de genes de microrganismos do que os descritos até inícios do século XXI. Em conversa com o Expresso, o investigador da Universidade King Abdullah, na Arábia Saudita, e consultor da Fundação Gulbenkian, diz que a sua equipa já tem “um catálogo de mais de 1500 milhões de genes individuais” a que chama de “Torre de Babel”.

O que mais o fascina entre o que descobriu nestas investigações de genomas da biosfera?
É uma verdadeira Torre de Babel difícil de explorar. Estamos a concluir um trabalho sobre a evolução rápida dos genes capazes de degradar plásticos. Há bactérias que começaram a usar os polímeros sintéticos (plástico) como fonte de carbono, já que a sua disponibilidade era mínima no oceano profundo. Uma equipa de investigadores japoneses descobriu em 2016 uma bactéria com capacidade para funcionar como uma espécie de central de reciclagem de plásticos e as evidências experimentais indicam que podem degradar cerca de 2% de plástico por mês, o que é um processo lento. Recentemente, a nossa equipa publicou um artigo que indica que 98% do plástico que entrou no mar ao longo destes anos está já enterrado no fundo marinho, o que evidencia a capacidade de sequestrar carbono e as potencialidades do chamado carbono azul.

As pradarias marinhas e os mangais e sapais têm enorme capacidade de sequestrar carbono. Um dos seus estudos indica que um hectare de pradaria marinha sequestra uma quantidade de gases de efeito de estufa equivalente à de 10 hectares de floresta em terra. É assim?
As pradarias marinhas e os mangais são dos sumidouros de carbono mais importantes da biosfera. São filtros importantes de poluição de carbono, de plástico, de metais pesados e de petróleo. Funcionam como mecanismo de purificação do mar. Temos estado a investigar um mangal no Mar Vermelho, que é capaz de retirar por ano todo o plástico que há em 1000 ha de água. O pensamento de que só em terra se pode capturar CO2 mudou com a introdução do conceito de Carbono Azul, ou “Blue Carbon”, por mim e outros colegas em 2009. O papel do mar como sumidouro de carbono é muito importante. Cerca de 50 países já têm projetos de restauração e conservação de bosques marinhos como parte dos objetivos declarados nacionalmente para cumprirem o Acordo de Paris. E perto de 70 países têm declarado a conservação e restauração de bosques marinhos como importantes sequestradores também pela sua capacidade de defesa da costa para enfrentar a subida do nível médio do mar e enfrentar intempéries.

Vão começar a quantificar as pradarias marinhas portuguesas, mas não é tarefa fácil, pois não? E no mundo quantas há?
É um dos ecossistemas mais difíceis de quantificar. As que estão a pouca profundidade podem ser vistas de satélite ou drones, mas as que estão a maiores profundidades só podiam ser contabilizadas com mergulho, o que é moroso e caro. Num inventário mapeado em 2018, estimámos a existência de 160 mil quilómetros quadrados de pradarias marinhas, mas as projeções indicam que podem existir um a cinco milhões de quilómetros quadrados, equivalendo a 10 vezes mais do que já conseguimos demonstrar. Hoje conseguimos perceber que as ervas marinhas têm um crescimento clonal exponencial. Uma pode multiplicar-se por seis e ao fim de três anos temos 200. Hoje sabemos que as ervas marinhas têm um grande papel como sumidouros de carbono e como protetoras das zonas costeiras contra a erosão, assim como berçários de biodiversidade.

O maior ecossistema de ervas marinhas existe nas Bahamas?
Sim, vamos anunciar na Conferência dos Oceanos este ecossistema de ervas marinhas das Bahamas que é o maior conhecido até agora no mundo, equivale a cerca de metade do que é conhecido em todo o mundo. A apresentação do nosso projeto nas Bahamas vai acontecer no dia 30, num side event sobre capital azul natural e carbono azul, que conta com representantes das Bahamas, da Austrália, da Indonésia e do Fórum Económico Mundial. Em 2018, esta área de pradarias marinhas tinha 2200 km2 e conseguimos mapear 2% desta área com 2100 mergulhos. Mas com a ajuda de um software especial colocado em tubarões-tigre, que têm grande afinidade por estes ecossistemas, conseguimos mapear milhares de km. Além de que percebemos que os tubarões-tigre, têm a função especial de controlar a sobrepopulação de tartarugas e assim manter maiores áreas de ervas marinhas.

Espera que esta Conferência dos Oceanos dê um novo à proteção destes ecossistemas marinhos tendo em conta o seu papel como sequestradoras de carbono?
Calculamos que globalmente as pradarias marinhas têm capacidade para sequestrar uma quantidade de carbono que equivale a 3% do PIB global. Mas só vamos anunciar com valores concretos e com colaboração do Fundo Monetário Internacional na conferência do Clima de Sharm-el Sheik (COP27).

O mar é tão rico e sendo o homem tão ávido de riquezas, é possível ter uma economia azul verdadeiramente sustentável?
Sim. Estou convencido que a quarta revolução industrial vai ser a recuperação do planeta.

Esta conferência tem como lema cumprir o ODS14 e salvar a vida marinha. Estamos no bom caminho?
Desde início do século XX perdemos cerca de 50% do capital natural marinho, só de atuns e tubarões cerca de 15%. É certo que há razões para estarmos preocupados, mas também é bom celebrarmos vitórias e não só derrotas.

E que vitórias podemos celebrar?
Decisões como a moratória da caça às baleias e a Convenção CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção) permitiram recuperar muitas espécies de baleias e evitar o comércio de espécies em risco. Em 2000 as áreas marinhas protegidas (AMP) ocupavam apenas 0,4% dos oceanos e agora ocupam perto de 10%. O objetivo é não só não perder capital natural, mas ganhar mais espécies e recuperar ecossistemas

E acredita ser possível passar de 8% de AMP (o número atual segundo a ONU) para 30% até 2030 e garantir que 10% são estritamente protegidas? É otimista?
Sim, acredito. Não há outra opção que não ser otimista. Mas não sou ingénuo. Sou um otimista com base científica (risos): em 1976, estimava-se que a população de baleias-jubarte rondava 200 exemplares e estava condenada à extinção. Agora há 60 mil baleias-jubarte no oceano, o que está associado às proibições de caça. No princípio do século XX existiam apenas 20 elefantes marinhos numa colónia do Pacífico, hoje há 250 mil.

Mas ainda há muitas espécies em risco. Não se travou a sobrepesca e a poluição.
Assistimos a uma dinâmica de recuperação. A pressão pesqueira está a diminuir, os stocks estão a recuperar e podem chegar a níveis sustentáveis até meados deste século.

Prefere olhar para o lado positivo…
Não podemos olhar só para o negativo. Quando se fala em projeções das alterações climáticas, as pessoas percebem-nas como factos, como se nada pudessem fazer para evitá-las Temos de ter equilíbrio e mostrar o resultado das coisas positivas que estamos a fazer. Durante o século XX as pradarias marinhas estiveram sempre em perda e agora há uma tendência de recuperação e para isso contribuíram a diretiva habitats, a diretiva quadro da água e a estratégia europeia para o meio marinho. Acredito que vamos atingir 30% do oceano protegido, se acontece em 2028, 2030 ou 2032 é uma arbitrariedade.

Espera esse compromisso vincado na Declaração de Lisboa?
Espero que não saia de Lisboa só um conjunto de boas intenções, mas um mecanismo legal e vinculativo para a recuperação dos oceanos. O que passa por proteger espécies, pescar de forma responsável e eliminar a poluição. Não podemos perder a esperança

E quanto à mineração no mar profundo?
A solução é não mexer. Mas no contexto desta conferência não vai ser nada decidido.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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