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“É espantosa”: eis a primeira imagem do buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia

A imagem do Sagittarius A*, o buraco negro supermassivo localizado no centro da Via Láctea
A imagem do Sagittarius A*, o buraco negro supermassivo localizado no centro da Via Láctea
EHT Collaboration

Há muito que a comunidade científica suspeitava da existência de um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea, mas ainda não havia qualquer evidência, apenas provas indiretas. Esta quinta-feira foi revelada a primeira imagem do Sagittarius A*, localizado a 27 mil anos-luz da Terra e quatro milhões de vezes mais massivo do que o Sol. “É um buraco negro muito passivo. Não é ativo e vai ser assim durante muitos milhões de anos, porque não há muita matéria à volta dele”, explica o cosmólogo Francisco Lobo ao Expresso

Não se trata propriamente de uma descoberta, mas mais de uma confirmação que, ainda assim, constitui uma das maiores façanhas da astronomia nas últimas décadas. A suspeita quase certeza de que no centro da nossa galáxia morava escondido um gigante escuro surgiu em 1974 e a comunidade científica até já lhe tinha atribuído um nome, mesmo que não o pudesse ver. Chama-se Sagittarius A*, encontra-se a 27 mil anos-luz da Terra e esta quinta-feira foi revelada a primeira imagem do buraco negro supermassivo da Via Láctea.

“A imagem hoje anunciada é espantosa e é a prova direta desse buraco negro que existe no centro da nossa galáxia”, começa por dizer ao Expresso o cosmólogo Francisco Lobo. “Embora já soubéssemos que há um buraco negro enorme no centro da nossa galáxia, nunca o tínhamos visto. Só tínhamos provas indiretas”, esclarece o coordenador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

“O movimento das estrelas no centro da Via Láctea só podia ser originado por um objeto muito grande”, sustenta o especialista. E grande é uma palavra com um significado muito pequeno para falar das proporções inimagináveis do Sagittarius A*: é 4 milhões de vezes mais massivo do que o Sol e tem 35 milhões de quilómetros de diâmetro.

“O mais espantoso, pelas dimensões angulares que foram reveladas, é que a massa deste buraco negro é exatamente igual às estimativas que tinham sido feitas”, observa Francisco Lobo.

Um 'monstro galático' bastante calmo

A imagem foi produzida graças ao trabalho de 300 cientistas de 80 institutos que combinaram observações recolhidas pelo Event Horizon Telescope, uma rede global de 11 radiotelescópios espalhados pelo mundo. “Demorou um total de cinco dias para ser obtida e os pesquisadores só tiveram um dia bom de observações”, frisa Francisco Lobo.

O anel dourado que se vê na imagem, na verdade, é o gás brilhante que gira em torno do buraco negro, uma vez que aquilo que está para lá do horizonte de eventos, de onde nem a luz consegue escapar, é impossível de observar. “O que se vê não é o buraco negro, mas há matéria à volta, a rodar no disco de acreção. É esse disco que forma o anel que podemos ver na imagem”, explica o cosmólogo e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

“A parte inesperada foi vermos uma imagem muito análoga à do [buraco negro supermassivo] M87, em que estamos a ver o disco de cima”, refere o coordenador do IA. “Alguns especialistas esperavam uma imagem um pouco inclinada que nos fosse mostrar o buraco negro de lado, uma vez que se pensava que o eixo do Sagittarius A* estaria alinhado com o eixo de rotação da própria galáxia. Só que não é bem assim. O buraco negro é bem mais pequeno do que a Via Láctea e não é necessário que os eixos estejam alinhados”, elucida Francisco Lobo.

Esta trata-se da segunda observação direta de um buraco negro, depois de, em 2019, ter sido divulgada a imagem do bem mais distante M87, localizado a 53 milhões de anos-luz, no centro da galáxia Messier 87. “São buracos negros muito diferentes. O nosso tem 4 milhões de vezes a massa do Sol, enquanto o M87 tem 3,5 mil milhões de massas solares, o que é quase mil vezes superior”, nota o cientista.

“Foi muito mais fácil obter a imagem do M87, porque é um buraco negro que, por ser tão massivo, tem uma rotação do disco de acreção muito mais lenta. Isso permite obter uma imagem com uma resolução muito melhor do que a do Sagittarius A*, que roda muito mais rapidamente e dá uma volta completa sobre si mesmo em apenas algumas horas”, contextualiza Francisco Lobo. “É muito mais complicado obter uma imagem com boa definição de um objeto que se move tão velozmente. Vai ser sempre mais desfocada”, completa o cosmólogo.

“Embora o Sagittarius A* rode muito rapidamente, é um buraco negro muito passivo. Não é ativo e vai ser assim durante muitos milhões de anos, porque não há muita matéria à volta dele”, afirma Francisco Lobo.

Atualmente, reconhece o coordenador do IA, “ainda não se sabe muito bem como se formam estes buracos negros supermassivos, mas é certo que desempenham um papel muito ativo na evolução galática”.

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