A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) vai criar um gabinete de apoio e aconselhamento jurídico para vítimas de assédio e discriminação. A decisão foi tomada esta terça-feira pela direção, depois de o Conselho Pedagógico ter reunido para analisar as mais de 50 denúncias apresentadas em março por estudantes e que visam 31 professores, o que corresponde a 10% do total de docentes da instituição.
Em comunicado, a direção refere que o objetivo do gabinete é apoiar as vítimas e aconselhá-las no caso de quererem prosseguir com queixas disciplinares ou criminais, ajudando-as, por exemplo, na obtenção de prova. Para garantir a independência do aconselhamento jurídico e do apoio psicológico, a FDUL pediu à Ordem dos Advogados e à Ordem dos Psicólogos que indiquem os profissionais que irão acompanhar os estudantes, docentes e funcionários que venham a recorrer a este gabinete, que deverá estar a funcionar a partir do final deste mês.
“O gabinete de apoio e aconselhamento que vamos criar é mais um passo dos vários que a FDUL tem dado nos últimos anos para identificar, avaliar, punir e dissuadir casos de assédio no seu interior”, afirma a diretora, Paula Vaz Freire. “Há dois anos, fui eu a primeira diretora desta casa a abrir um processo disciplinar por assédio sexual, o qual concluiu com um juízo de censura. Mais recentemente, demos todo o apoio que foi necessário para que a comissão nomeada pelo Conselho Pedagógico pudesse abrir um canal para denúncias anónimas e, a seguir, interpretasse os resultados”, acrescenta.
Entre 14 e 25 de março, a faculdade criou um "canal aberto" para receção de denúncias. Só nesse período, foram recebidas 70 queixas anónimas, das quais 50 foram consideradas "relevantes". De acordo com a notícia publicada pelo DN, dizem respeito a casos de assédio moral (29), assédio sexual (22), sexismo (8), racismo (5) e homofobia (1) e visam diretamente 31 docentes da instituição. Desses, sete concentram mais de metade das queixas.
Perante estas denúncias, a Associação Académica da FDUL conclui que existem "problemas sérios e reiterados de assédio sexual e moral perpetrados por docentes da Faculdade" e fala num clima de impunidade.
Depois deste "canal aberto", a FDUL disponibilizou igualmente um endereço eletrónico para receber denúncias, mas que requer a identificação do denunciante. Até à data, foi recebida uma participação, que está agora a ser avaliada.
Dois em cada três estudantes universitários já foram vítimas de assédio sexual
Segundo um estudo publicado no final de 2019 e realizado pela Federação Académica de Lisboa em parceria com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) e a associação Quebrar o Silêncio, 61,4% dos alunos de estabelecimentos de ensino superior em Lisboa dizem já ter sido vítimas de assédio sexual, pelo menos uma vez, e 34,2% referem já ter sofrido violência sexual.
De acordo com o inquérito então realizado, que contou com a participação de quase mil estudantes, as situações de assédio foram perpetradas, sobretudo, por colegas (23%), funcionários (17%) e amigos (11%). Só em 2% dos casos estava envolvido um docente.
"O que espanta nas denúncias ocorridas na FDUL é a prevalência de casos que envolvem docentes e que é bastante maior do que a que apurámos no inquérito que publicámos em 2019. Mas a existência de casos de assédio é transversal a todas as faculdades", sublinha João Machado, presidente da Federação Académica de Lisboa (FAC).
Na sequência deste estudo, a FAC propôs ao Ministério do Ensino Superior e a todas as Universidades a criação de mecanismos de denúncia que facilitassem a apresentação de queixas por parte dos estudantes, à semelhança do que agora fez a FDUL, mas a recomendação não foi acolhida. Da mesma forma, ficou por realizar um estudo a nível nacional da prevalência deste tipo de casos no ensino superior, que também foi pedido pela Federação.
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