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Cientistas portugueses realçam importância de primeiro genoma humano completo

Cientistas portugueses realçam importância de primeiro genoma humano completo
Westend61/Getty Images

Com o trabalho publicado, torna-se "efetivamente a primeira vez que um genoma humano é sequenciado integralmente", afirma Nuno Morais, que lidera no Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa

Cientistas portugueses que não participaram na primeira sequenciação completa do genoma humano, publicada esta quinta-feira, realçaram o "marco histórico" do trabalho que abre "novas portas" para o estudo de doenças e a compreensão da diversidade e evolução da espécie humana.

"Há várias doenças humanas associadas a encurtamento anormal de telómeros e a falhas na regulação da ação dos centrómeros que nunca tinham sido devidamente estudadas a nível genético e agora podem sê-lo", disse à Lusa o investigador Nuno Morais, que lidera no Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa, um laboratório que trabalha com dados de genómica.

Os telómeros (extremidades dos cromossomas) e os centrómeros (estruturas centrais onde os dois braços dos cromossomas se ligam) ficaram de fora da sequenciação do genoma humano publicada em 2003, uma vez que a tecnologia da altura não permitia ler as partes do genoma muito repetitivas e que correspondem a 8% do tamanho total do material genético das células humanas.

"Sabia-se que a tecnologia disponível na altura não possibilitava a sequenciação de cerca de 8% do genoma associado a zonas repetitivas", frisou Nuno Morais, assinalando que em 2003 foram sequenciadas 99,9% das regiões do genoma "que se sabia conterem genes, isto é, que codificam proteínas, que são as principais unidades estruturais e funcionais das células".

Com o trabalho hoje publicado, torna-se "efetivamente a primeira vez que um genoma humano é sequenciado integralmente", em que "todos os cromossomas presentes num grupo de células idênticas são sequenciados sem lacunas de uma ponta à outra", destacou.

Segundo o investigador, o trabalho do consórcio T2T sugere que nos 8% do genoma sequenciados pela primeira vez "parece haver mais genes que codificam proteínas do que era estimado em 2003".

Além disso, de acordo com Nuno Morais, a nova sequência do genoma humano "mostra que finalmente" se pode "olhar para o genoma de cada pessoa como um todo, percebendo melhor a relação entre o funcionamento de um organismo e a sua genética".

"À medida que formos acumulando sequências genómicas integrais de diferentes pessoas, compreenderemos melhor a diversidade genética da espécie humana e a sua evolução", sublinhou, lembrando que, em média, a diferença genética entre dois seres humanos é de cerca de 0,1% do seu genoma.

Identificar "de forma mais exata a associação entre variantes genéticas e doenças

Nuno Morais salientou, ainda, que com decifração completa do genoma será possível identificar "de forma mais exata a associação entre variantes genéticas e doenças, o que terá implicações aos níveis de diagnóstico e de terapias personalizadas".

Para a geneticista Luísa Pereira, do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, a sequenciação de regiões "altamente repetitivas" do genoma de uma pessoa, como foi feito pelo consórcio T2T, "já revelou novos genes nestas regiões e arranjos importantes que abrem novas portas no estudo de doenças".

A cientista, que lidera no i3S o grupo de investigação de diversidade genética, enfatizou que "estas zonas altamente repetitivas dos genomas são muito importantes para a vida", referindo que os telómeros "estão envolvidos na regulação do número de divisões celulares", tendo implicações no envelhecimento e no cancro, enquanto os centrómeros "têm um papel importantíssimo no alinhamento dos cromossomas" durante a divisão celular.

"Este é só o primeiro genoma completo. Mas os coordenadores já estão a obter vários outros genomas em populações diversas do nosso globo. A possibilidade de novas descobertas é enorme", apontou.

Para a investigadora Maria do Carmo-Fonseca, que preside ao IMM e dirige o laboratório de regulação génica, o trabalho hoje publicado "representa um importante marco na história da sequenciação do genoma humano".

"Até agora havia páginas do livro que não estavam traduzidas e ao longo do livro havia frases mal traduzidas. Naturalmente, este tipo de problemas não permitia uma interpretação correta da história contada no livro", comparou, sustentando que "conhecer o genoma humano completo e sem erros vai permitir avanços no conhecimento biomédico, nomeadamente aumentar a capacidade de diagnosticar e compreender as causas de doenças genéticas".

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