Em 2021 foram consumidas quase o dobro de metanfetaminas em Lisboa, comparativamente ao ano anterior. Isso mostram os dados do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, que analisou águas residuais em 75 cidades europeias de 25 países. No Porto, pelo contrário, diminuiu o consumo desta e de outras drogas
Em 2021, o consumo de cocaína aumentou cerca de 40% na cidade de Lisboa e foram consumidas quase o dobro de metanfetaminas comparativamente ao ano anterior0. Os dados são do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) e foram obtidos com base na análise de águas residuais da capital.
Em concreto, foram detetados cerca de 500,48 miligramas (mg) diários de cocaína por cada mil habitantes em 2021, quando no ano anterior tinham sido 365,8 mg. O aumento foi de cerca de 37%.
Estes valores colocam Lisboa na 17.ª posição de um total de 75 cidades europeias que participaram no estudo. Almada e Porto, as outras duas cidades portuguesas que foram avaliadas, ocupam as 21.ª e 32.ª posições, respetivamente, mas com diferenças assinaláveis no consumo: se em Almada aumentou cerca de 74% (para valores ligeiramente inferiores aos de Lisboa), no Porto diminuiu aproximadamente 28%.
No caso das metanfetaminas, este aumento foi de cerca de 110% em Lisboa, embora os valores sejam baixos (7,92 mg). Os dados de 2021 mostram também que aumentou o consumo de canábis (11,54%), anfetaminas (23,31%) e MDMA (8,95%) na capital.
Lisboa em linha com as outras cidades europeias
O aumento do consumo de algumas drogas durante a pandemia já tinha sido apontado por outros relatórios e pode ser explicado pela rápida adaptação do mercado da droga às restrições que foram impostas durante a crise sanitária. "Os mercados adaptaram-se rapidamente e conseguiram manter a disponibilidade das substâncias na Europa", explicou João Matias, especialista que integra o OEDT, ao Expresso, no início deste ano. Segundo o investigador, houve um aumento das entregas em casa, "seja através do correio, seja em mão", e da utilização das redes sociais , como o Telegram, para efetuar esses contactos e pedidos.
Num comentário aos mais recentes dados do observatório, João Matias diz que as tendências que se observam em Portugal, sobretudo em Lisboa, são "similares" às que se observam nos outros países europeus, com um aumento do consumo de cocaína e de anfetaminas e metanfetaminas, e uma diminuição do consumo de MDMA.
A evolução destes consumos suscita dúvidas, uma vez que as drogas referidas estão mais associadas à vida noturna — que foi precisamente dos contextos com mais limitações durante a pandemia. Mas João Matias explica: "Apesar de a cocaína e o MDMA serem drogas estimulantes, têm efeitos diferentes. A cocaína pode acabar por ser mais usada em casa, em jantares com amigos, apelando menos a um ambiente festivo do que o MDMA." São "pequenas diferenças" que "podem ter impacto", aponta o investigador, para quem estes dados são, ainda assim, "surpreendentes".
Consumos diminuíram no Porto
Ao contrário de Lisboa, o consumo de MDMA diminuiu no Porto em 2021. Este decréscimo foi de cerca de 28%. Também o consumo de canábis (e de cocaína, como referido anteriormente) diminuiu em cerca de 25%. João Matias explica estas discrepâncias regionais com a "diferente disponibilidade das substâncias", o turismo e as restrições impostas durante a pandemia, que podem ter afetado os locais de diversão noturna das duas cidades de forma diferente. Mas ressalva: "Tudo isto são apenas hipóteses."
No caso de Lisboa e Almada, "os valores são similares", o que estará relacionado com a proximidade geográfica. Ainda assim, destaca-se o aumento do consumo de anfetaminas em Almada, que mais do que triplicou durante a pandemia.
Aumento "global" do consumo de droga
Segundo o observatório europeu, os resultados de 2021 — obtidos a partir da análise das águas residuais de cerca de 45 milhões de pessoas em 25 países, numa recolha que decorreu no período de uma semana, entre março — apontam para um "aumento global" das drogas estudadas. A exceção é o MDMA, cujo consumo diminuiu na maioria das cidades investigadas. Ao contrário de anos anteriores, "as drogas analisadas foram detetadas de forma mais uniforme em todos os locais do estudo, tendo as cinco substâncias sido encontradas em quase todas as cidades participantes".
João Matias explica que "o problema das drogas é hoje em dia mais complexo". "Há mais substâncias disponíveis e, com a internet e a globalização, a forma como as pessoas adquirem substâncias também é diferente." Nas zonas rurais, por exemplo, "é mais fácil ter acesso a substâncias do que era há dez anos".
"A cocaína, que no passado víamos principalmente nas países do sul e oeste da Europa, como Portugal, Espanha, Itália e França, também está agora presente nos Bálticos e na Europa do Norte", aponta o investigador, dando outro exemplo. "Historicamente, a metanfetamina apresentava consumos muitos elevados na República Checa e Eslováquia, mas hoje também está presente noutros países europeus." É a "disponibilidade das substâncias" que explica isto, reitera, mas também as alterações nos padrões de consumo — com mais pessoas a utilizar mais do que uma substância — e o maior acesso à informação.
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