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Consumo de LSD e cetamina aumenta durante a pandemia: “Muitas pessoas quiseram experimentar pela primeira vez em casa para fugir à realidade e ao stress do confinamento”

Foto: Getty Images
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Em Portugal como nos restantes países europeus, houve um aumento do consumo de canábis durante a pandemia e uma diminuição do consumo de ecstasy, segundo um inquérito realizado pelo Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência. As restrições não afetaram o negócio da venda de droga e houve até um “aumento das entregas em casa feitas por correio ou outras pessoas”. Também cresceu o interesse por drogas como o LSD, cetamina e cogumelos mágicos, utilizadas em “primeiras experiências” em casa para iludir a sensação de clausura

Consumo de LSD e cetamina aumenta durante a pandemia: “Muitas pessoas quiseram experimentar pela primeira vez em casa para fugir à realidade e ao stress do confinamento”

Helena Bento

Jornalista

Com a pandemia, houve uma alteração nos padrões de consumo de drogas nos países europeus, como mostra o mais recente inquérito online realizado pelo Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência. Diminuiu o consumo de ecstasy e aumentou o consumo de canábis, apesar das restrições impostas para travar a propagação do vírus. Os mercados, que no início de 2020 sofreram um pequeno abalo, “rapidamente se adaptaram e conseguiram manter a disponibilidade das substâncias na Europa”. Houve um aumento das entregas em casa, seja através do correio, seja em mão, e surpreendentemente “a maior parte das pessoas obteve substâncias através do ‘dealer’ que já as abastecia antes da pandemia”, explica João Matias, especialista que integra o observatório, destacando ainda o aumento do consumo de drogas como o LSD, cetamina (ou ketamina, um anestésico utilizado em cirurgias) e cogumelos mágicos, mesmo no contexto de casa. Foi para “fugir à realidade”. Em Portugal, os resultados e as tendências observadas são “similares”.

Quais os dados deste estudo que mais surpreenderam os investigadores do Observatório?
Percebemos que os consumidores mais frequentes de canábis antes da pandemia aumentaram ainda mais os seus consumos, justificando esse aumento com a ansiedade e o stress da pandemia. Por outro lado — e isso já tínhamos percebido através de uma análise às águas residuais em 2021 — houve um decréscimo do consumo de drogas como o MDMA/ecstasy e a cocaína. Os dados deste inquérito confirmam essas análises que fizemos. No último ano, mudou o contexto dos consumos, que passaram a ser feitos, em grande parte, em casa. Antes da pandemia, eram feitos fora de casa, com amigos ou em locais de diversão. E mudaram as motivações. No caso da canábis, foi muito reportado que estava a ser utilizada para lidar com a ansiedade, enquanto o MDMA/ecstasy era mais para socializar, mesmo que o consumo ocorresse em contexto domiciliário. Salientaria também que este aumento do consumo de canábis deu-se apesar de todas as restrições e confinamentos.

Há drogas que se tornaram mais acessíveis?
Percebemos por este inquérito, mas também através de outros indicadores, que apesar de nos primeiros meses de 2020 ter diminuído a acessibilidade a algumas substâncias, incluindo a canábis, rapidamente os mercados se adaptaram e conseguiram manter a disponibilidade das substâncias na Europa. O relatório publicado esta quinta-feira mostra que a maior parte das pessoas obteve substâncias (independentemente de quais sejam), através do “dealer” que já as abastecia antes da pandemia, mesmo em Portugal. Surpreendeu-nos, de facto, que este fornecedor tradicional tenha continuado a ser a principal fonte de disponibilidade de substâncias. Registou-se, inclusive, um aumento das substâncias entregues em casa, seja através do correio, seja entregas em mão. E houve um aumento da utilização das redes sociais, como o Telegram, para efetuar esses contatos e pedidos.

Há um claro contraste com a maioria dos outros negócios, que foram muito afetados pela pandemia…
Sim, todos os negócios foram muito afetados com as restrições. E o da venda de droga também, mas só no início de 2020. Depois, voltou ao “business as usual” e as pessoas continuaram a consumir.

O inquérito também avaliou o consumo de outras drogas. Que consumos aumentaram durante a pandemia?
Nesse aspeto, surpreendeu-nos a percentagem de inquiridos que reportaram o consumo de drogas como o LSD e a cetamina. Houve um aumento do número de consumidores que não tinha sido observado antes da pandemia. Tínhamos sinais, por via de outras fontes, de que poderia estar a acontecer isso, e este inquérito é a confirmação. Também continuaram a aparecer novas substâncias no mercado, num número semelhante ao registado nos últimos anos. Em média, surgem cerca de 50 novas substâncias psicoativas no mercado europeu todos os anos.

Qual a explicação para esse aumento?
São substâncias que estão mais disponíveis, hoje em dia, nos mercados europeus. Por outro lado, no decorrer da pandemia e dos confinamentos, houve um aumento do interesse pelos chamados ‘psicadélicos’, como o LSD ou os cogumelos mágicos. Muitas pessoas quiseram ter as suas primeiras experiências de consumo destas drogas para fugir à realidade e ao stress e à ansiedade de se estar fechado em casa, com contactos sociais limitados. Pelo menos, foi isso que nos foi reportado. Em muitos países, tivemos alguns sinais deste aumento motivado pelas razões acima descritas. Portanto, terá sido uma mistura entre maior disponibilidade, contexto e vontade pessoal.

Que tendências de consumo se reforçaram durante a pandemia?
Houve um reforço no que diz respeito ao consumo de canábis. Como referi, os que mais recorriam a esta droga consumiram ainda mais durante a pandemia, até devido ao acesso facilitado ao produto. Por outro lado, quem consumia com menos frequência parou ou diminuiu o consumo, possivelmente porque já antes da pandemia tinha menos acesso a esta substância. Este aparente aumento do interesse por substâncias psicadélicas também sai reforçado, assim como a chamada uberização da compra e venda de substâncias. Era um fenómeno que já se verificava, mas ficou mais acentuado com a pandemia e a utilização de meios digitais e aplicações e redes sociais para a tal troca de substâncias. Isto vale também para Portugal, onde foram observadas as mesmas tendências do resto da Europa. Os resultados são, de facto, muito similares.

É esperado um regresso do consumo aos valores ‘normais’ com o fim da pandemia?
É difícil prever, mas temos vindo a observar que, com o aligeirar das restrições, os consumos voltam a valores similares aos registados antes da pandemia. Podemos tentar extrapolar isso e ter a expectativa de que regressem, de facto, ao que eram antes da situação pandémica.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

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