Offshores do Panamá, contas na Suíça: os alegados crimes pelos quais Salgado arrisca hoje uma pena de prisão
Tribunal de Lisboa vai decidir esta segunda-feira se Ricardo Salgado abusou da confiança do GES e se daí tirou indevidamente 10,7 milhões
Tribunal de Lisboa vai decidir esta segunda-feira se Ricardo Salgado abusou da confiança do GES e se daí tirou indevidamente 10,7 milhões
São três as transferências que podem dar uma condenação em processo-crime a Ricardo Salgado. A sentença sobre estas transações, que passaram por Henrique Granadeiro e Helder Bataglia (não acusados), é tornada pública esta segunda-feira, 7 de março, pelas 16h00. A leitura é em Lisboa, longe do Panamá, paraíso fiscal protagonista nestas operações, e longe da Suíça, onde estavam as contas bancárias por onde passou o dinheiro.
Nestes despojos da operação judicial que tinha José Sócrates como protagonista, a Operação Marquês, Ricardo Salgado foi acusado de ter praticado três crimes de abuso de confiança. O crime de abuso de confiança, explica o Código Penal, é praticado por “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”. Ou seja, que se aproveite de algo a que tem acesso, mas que não é seu.
O Ministério Público acusou o antigo presidente do BES de, através de três grandes transferências, se ter apropriado de 10,7 milhões de euros que pertenciam ao Grupo Espírito Santo, de que era o principal rosto e decisor – estas foram as três imputações que restaram da instrução feita pelo juiz Ivo Rosa na Operação Marquês, que deixou cair os outros crimes, da corrupção a branqueamento.
A pena de prisão para este tipo de crime é de três anos ou pena de multa, mas, se em causa estiver um “valor consideravelmente elevado”, a punição é de uma prisão que vai de um a oito anos. Nas alegações finais, o Ministério Público pediu uma prisão não inferior a 10 anos pelos três crimes: por cada crime, pelo menos seis anos, em cúmulo jurídico, a condenação por dez anos. Já a defesa de Salgado pediu absolvição, mas, havendo pena, considerou que, dada a doença de alzheimer diagnosticada, deveria ser suspensa.
A acusação considera que a Green Emerald, sociedade de Helder Bataglia, recebeu 15 milhões de euros de uma entidade do Grupo Espírito Santo, a Enterprises Managament Services, controlada por Ricardo Salgado. Da conta da Green Emerald no Credit Suisse saíram, depois, 2,75 milhões de euros dirigidos para a Savoices, uma sociedade offshore localizada no Panamá que é controlada pelo antigo líder do BES. A conta da Savoices também estava no Credit Suisse.
“As quantias em causa, no valor global de €2.750.000,00 foram aplicadas em títulos, tendo permanecido na esfera do arguido Ricardo Salgado, que delas se apropriou”, dizia o despacho de instrução. O crime terá sido cometido em novembro de 2011.
Nesta operação, a acusação considerava que Salgado conseguiu, “com a colaboração de Henrique Grandeiro”, antigo presidente da Portugal Telecom e seu amigo, apropriar-se de 4 milhões de euros (cambio do original de 4,9 milhões em francos suíços) de fundos que estavam nas contas da Enterprises Managament Services.
Dessa empresa saíram cerca de 8 milhões para Granadeiro, dos quais depois foram 4 milhões para a Begolino, sociedade constituída em 2011, no Panamá, e que tinha Salgado como beneficiário final (ainda que a conta estivesse em nome da sua mulher e da sua filha). A conta de Granadeiro estava no banco Pictet, “o secreto banco suíço das pessoas mais ricas do mundo”, como lhe chamou a agência Bloomberg num artigo do ano passado. A conta da Begolino estava no também banco suíço Lombard Odier Group. Foi em novembro de 2011.
Da conta da ES Enterprises no Banque Privée do GES, na Suíça, foram 4 milhões de euros para a conta do Credit Suisse em nome da Savoices, a offshore controlada por Salgado. Ocorreu em 2011.
Embora visados nestas transferências, nem Bataglia, nem Granadeiro são acusados – os crimes de que eram imputados não passaram no crivo do juiz de instrução.
O mesmo não aconteceu a Ricardo Salgado, em que se concretizou a acusação por três crimes. O ex-banqueiro foi a tribunal numa sessão apenas para dizer que não comentava por lhe ter sido atribuído Alzheimer.
O Ministério Público recorreu para que os crimes que não foram deduzidos na instrução possam novamente ser alvo de acusação – no caso do ex-banqueiro, estão em causa crimes de corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento e fraude fiscal.
Dia 7 de março, o coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques vai ler a sentença relativa aos três crimes de abuso de confiança imputados pelo Ministério Público a Ricardo Salgado na sequência da Operação Marquês — foram os únicos que restaram da instrução de Ivo Rosa. Foi aqui que Ricardo Salgado pediu para que o julgamento fosse suspenso devido à doença de alzheimer. Não foi aceite, mas a doença é argumento para, a haver condenação, ser por pena suspensa.
O ex-banqueiro foi um dos arguidos que pediram a abertura da instrução para tentar evitar o julgamento. Acusado de 65 crimes, chamou 82 testemunhas abonatórias. O juiz de instrução é Ivo Rosa, que já disse não estar disponível para aceitar tantos nomes. As sessões iam começar por agora, mas foram adiadas para 29 de março.
Desta operação foram extraídas certidões para novas investigações e Ricardo Salgado foi recentemente acusado por crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional e branqueamento, envolvendo linhas de crédito e ligações à Venezuela.
A investigação a um grande esquema de branqueamento de capitais foi o primeiro processo em que Salgado foi constituído arguido, em 2014, mas, até agora, não houve nenhuma acusação da parte do Ministério Público.
Atos dolosos de gestão ruinosa: foram uma das infrações detetadas pelo Banco de Portugal que já foram confirmadas em tribunal de forma definitiva. Os processos transitados em julgado apontam para coimas de 4 milhões de euros, outros podem elevá-las até aos 8 milhões de euros. São os seguintes:
1) Papel comercial. Coima de 3,7 milhões aplicada a Ricardo Salgado e de 350 mil a Morais Pires. Outros membros da administração, como José Maria Ricciardi, viram as coimas serem suspensas. Foi aqui que houve a condenação por atos dolosos de gestão ruinosa, como também a prestação de informações falsas ao supervisor e violação de regras sobre conflitos de interesse. O caso já foi decidido pelo Tribunal Constitucional, tendo transitado em julgado.
2) BESA e Eurofin. Eram três processos distintos no BdP, foram juntos na justiça para tentar travar prescrições. A coima a Salgado foi de 4 milhões e de 3,5 milhões a Morais Pires. A não implementação de sistemas de controlo interno e a ausência de mecanismos de controlo da exposição do BES ao BES Angola são infrações apontadas. Em setembro, o Tribunal da Santarém confirmou as coimas. A Relação decidiu agora no mesmo sentido. Ainda é possível novos recursos.
3) Branqueamento. É o caso que chega agora ao Constitucional. O BES falhou no dever de garantir a aplicação de medidas de prevenção do branqueamento nas filiais e sucursais. A coima a Salgado foi de 290 mil euros, acima da sanção de 100 mil a Morais Pires.
4) ESFG. Caso com a coima mais baixa, de 75 mil euros para Salgado, por conta de infrações cometidas na Espírito Santo Financial Group, entidade através da qual a família controlava o Grupo Espírito Santo. Já transitou em julgado.
Na semana passada, o primeiro processo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários à gestão do BES teve uma decisão: o tribunal de Santarém manteve a coima de 2 milhões de euros, por violação de regras de conflitos de interesse. É recorrível. Há outro processo da CMVM, sobre o aumento de capital de 2014, com coima de €1 milhão, que ainda não chegou a tribunal.
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