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Mais de 2500 lisboetas levam petição à Assembleia Municipal para travar fim da ciclovia da Almirante Reis

Mais de 2500 lisboetas levam petição à Assembleia Municipal para travar fim da ciclovia da Almirante Reis
MIGUEL A. LOPES

Preocupados com a garantia de que Carlos Moedas vai cumprir a promessa eleitoral de retirar a ciclovia, cidadãos juntam-se em petição com 2600 assinaturas em papel, que vai ser entregue esta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa. Objetivo é pressionar discussão pública. Sobre crítica de partidarização feita pelo novo presidente da Câmara, organizadores falam em “desrespeito”

Um grupo de cidadãos em Lisboa, com o apoio de várias organizações da zona de Arroios e da área do ciclismo e da mobilidade, juntou-se no último mês na recolha de assinaturas para travar uma das promessas eleitorais do novo presidente da Câmara: retirar a ciclovia da Avenida Almirante Reis, uma das principais artérias da cidade.

O resultado foram 2600 assinaturas em papel, que vão ser entregues esta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa, de forma a pressionar o novo executivo para, antes de tomar medidas, cumprir uma outra promessa: envolver os cidadãos na discussão. Ou, no articulado do programa eleitoral da coligação ‘Novos Tempos’, “promover a participação da população na cocriação das políticas públicas da cidade”. Esta é, dizem os organizadores em comunicado, “a oportunidade ideal” para o fazer.

Sem surpresa, o tema da Mobilidade tem marcado o arranque do novo executivo camarário em vários espaços-tempo. Na primeira reunião privada entre os vereadores, Carlos Moedas mostrou-se agastado pelo facto de ter havido uma manifestação um dia após a tomada de posse, precisamente a propósito da ciclovia da Almirante Reis, e falou em “instrumentalização política”.

Dias antes da manifestação, um conjunto de 43 associações tinha publicado uma carta aberta no jornal Público a pedir uma “reflexão sistémica sobre a Almirante Reis”, lembrando que ela surgiu, nos primeiros meses de pandemia no verão de 2020, sem discussão prévia (nasceu como um projeto pop up) e que “retirar a ciclovia do mesmo modo, sem fundamentação técnica nem envolvimento cidadão, seria repetir o erro”.

Agora, volvido um mês, algumas dessas associações e um conjunto alargado de cidadãos mostram-se preocupados com a garantia de Carlos Moedas de que a promessa eleitoral “é, obviamente, para cumprir”. O novo autarca disse-o na passada quarta-feira, em entrevista ao Observador, recusando-se, porém, a adiantar qualquer data.

Para Moedas, a Almirante Reis “é o ponto dramático” das ciclovias. “É uma ciclovia que cria um problema enorme às ambulâncias, às ambulâncias que vão para o Hospital de São José”, afirmou, antes de voltar ao argumento de que a discussão tem sido partidarizada. Moedas diz que tem falado com moradores, bombeiros, polícias, que concordam com ele. “Não aqueles que se vão manifestar partidariamente a favor das ciclovias, mas aqueles que estão na Almirante Reis.”

Ciclovia da Almirante Reis é um dos temas que causa maior oposição a Carlos Moedas em Lisboa
MIGUEL A. LOPES

A petição que vai ser entregue esta quinta-feira não é uma resposta direta às palavras de Moedas, até porque o trabalho começou logo após o protesto do final de outubro, mas serve-a bem. Para a recolha de assinaturas, “o critério definido foi ter pessoas que vivem, trabalham ou estudam em Lisboa”, excluindo-se turistas ou moradores em trânsito de outras cidades, explica ao Expresso Miguel Pinto, um dos organizadores e membro da Caracol Pop, ONG envolvida na discussão. “E depois pusemos [a petição] numa rede de lojas e associações do bairro, porque o objetivo era mostrar que há entidades no território que acham que isto é uma boa solução.”

A Caracol Pop serve de exemplo. Nasceu em 2017, na sequência do processo do Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha, e em oposição à ideia inicial da CML de construir um parque de estacionamento numa antiga quinta de 10 mil metros quadrados. Miguel Pinto frisa, por isso, que “é um desrespeito” que Moedas fale em posições partidárias neste tema. “Há um conjunto de associações que já estiveram em propostas que se opuseram a medidas concretas do executivo anterior”, liderado por Fernando Medina e pelo PS, em conjunto com o Bloco de Esquerda.

A acusação de instrumentalização é, assim, “um desrespeito pela carta aberta, subscrita por mais de 40 associações, é um desrespeito também por esta petição. Não é legítimo invocar isso para fugir da responsabilidade de discutir”, frisa Miguel Pinto.

“Não é carros contra bicicletas: é pôr as pessoas no centro”

Segundo um relatório da Câmara Municipal de Lisboa, o volume médio de ciclistas na Almirante Reis triplicou entre maio de 2020, antes da implementação da ciclovia, e maio deste ano, “especialmente na hora de ponta da tarde”. A ciclovia é, para estes signatários, uma “infraestrutura fundamental para a segurança e integridade física de quem circula em bicicleta, trotinete, patins ou skate”, contribui para o aumento da mobilidade suave em Lisboa e é “um passo importante para o combate às alterações climáticas”.

Os organizadores reconhecem que há também os que, como refere Moedas, se opõem à ciclovia atualmente em funcionamento. Mas por isso insistem na necessidade de um debate público, “e transparente”, num tema que já é alvo de discussão nos espaços informais da cidade.

Anna Rossi é ilustradora e também membro da Caracol Pop, mas frisa que se representa apenas a si própria, como cidadã ativa. E lembra que o debate está inquinado pela polarização promovida na imprensa e nas redes sociais. “Eu compreendo que a polarização de um debate faça parte das técnicas de noticiabilidade”, depois aproveitada pelo poder político, conforme isso der “mais ou menos votos”. “Mas isto não é [uma questão] de carros contra bicicletas: é pôr as pessoas no centro. É uma questão de mobilidade e acessibilidade do espaço público ao ar livre.”

No comunicado enviado esta tarde às redações, lê-se, aliás, que os pontos em discussão nesta ciclovia “são múltiplos” e incluem a acessibilidade de peões. “A utilização da ciclovia por pessoas em cadeiras de rodas, que enfrentam imensos desafios no seu quotidiano num espaço que prioriza o automóvel, sinaliza a necessidade de melhorar toda a estrutura.”

Para Anna Rossi, que tem circulado na Almirante Reis com um carrinho de bebé, a ciclovia é um recurso a ter em conta. “Claro que não me ponho no meio da ciclovia, mas quantas vezes vi ali carrinhos de bebés porque o passeio não está em condições?”. Por isso, insiste, a discussão está para lá das bicicletas. “Tem de ser pensada toda a ideia de cidade: quantos carros queremos?

A Assembleia Municipal de Lisboa não tem poder deliberativo sobre a matéria (a decisão compete ao executivo, onde Carlos Moedas não tem maioria), mas tem papel fiscalizador, de discussão e de recomendação, no qual os signatários apostam agora.

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