No primeiro telefonema que lhe fiz para propor a entrevista, semanas antes dos Globos de Ouro, surpreendi-me, ou melhor, comovi-me, com a sua fragilidade. Clara recusou a entrevista. Não se sentia bem. Precisava de tempo para fazer o luto do pai, recentemente falecido, e também outros lutos. Na segunda tentativa, embora não lhe tenha confessado, assustei-me, porque não se negando à entrevista, também não a recebia com o entusiasmo que eu auspiciava. Poucas vezes os jornalistas se veem na posição de entrevistados. Para alguns há até uma certa dificuldade em mudar de lado, uma aversão à exposição pessoal, uma consciência clara do processo mediático. É-lhes mais natural perguntar do que responder. Mais fácil mostrar do que se mostrarem. E é, por isso, que são, por regra, mais esquivos. Foi também por essa razão que receei o resultado desta conversa, a caminho da Cresmina, a praia na qual marcámos encontro. Uma entrevista deste género só é interessante se existir entrega e generosidade. Vontade de se dar a conhecer além do “boneco público”, cuja revelação é, não raras vezes, controlada ao milímetro. Ora, para uma pessoa como Clara de Sousa, que aparece quase todos os dias no ecrã em horário nobre, conduz os debates políticos antes das eleições, acabou de mostrar outra forma de estar nos Globos de Ouro, tem presença nas redes sociais — através dos seus dois hóbis, cozinha e bricolage —, arrebata um número considerável de seguidores e uma avultada legião de fãs, facilmente atestada pelos prémios públicos que já ganhou e pelas audiências que conquista, exposição é coisa que não lhe falta. Uma entrevista não é um importante passaporte para a notoriedade. É, ou pode ser, um momento desconfortável. Mas, na Cresmina, ou com o mar da Cresmina no horizonte, a conversa acabou por ser franca e aberta. Sem grandes reservas. Neste amigável frente a frente falou-se sobretudo de jornalismo, dos desafios do jornalismo, da solidão que é estar à frente de um debate político, da preparação que exige a si própria para que o seu desempenho pareça simples, ainda que seja de uma grande complexidade. Falou-se ainda das alterações climáticas, da natureza, da mãe, da educação exigente que recebeu da família, da cultura de trabalho que interiorizou, muito cedo, e da honra que é devida à origem humilde dos pais, embora, como confessa, nunca se tenha sentido pobre. Porque sempre se sentiu livre. Livre e responsável. E, apesar de estas entrevistas serem sempre muito grandes — não sei se exageradamente longas — lamento ter tido de deixar coisas de fora, como a confessa pena que Clara de Sousa sente por não ter tido bons professores de Matemática, a sua exigência no Português bem falado e bem escrito, os anos em que trabalhou e estudou para concluir o curso de Letras, o amor que dedica aos seus companheiros de quatro patas, a projeção do primeiro Natal sem o pai, o desafio de continuar a ser feliz quando é preciso deixar que os filhos voem. Eis a Clara, eis uma parte da mulher que é a frontwoman da SIC com mais notoriedade e audiências, nas vésperas de celebrar 54 anos de vida.
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