Sociedade

Agir localmente a pensar no combate às alterações climáticas: Pacto Global dos Autarcas é o vencedor do Prémio Gulbenkian para a Humanidade

O filantropo norte-americano Michael Bloomberg é um dos co-presidentes desta associação
O filantropo norte-americano Michael Bloomberg é um dos co-presidentes desta associação
Andrew Burton/Getty Images

Do individual para o coletivo, do agir local para o fazer global. A Fundação Calouste Gulbenkian reconheceu o papel de mais de 10 mil autarcas unidos para ajudar a resolver a crise climática. O Pacto Global dos Autarcas para o Clima e a Energia é um movimento muito mais próximo das pessoas do que os grandes tratados entre Estados”, sublinha o vice-presidente do júri, Miguel Bastos Araújo

Agir localmente a pensar no combate às alterações climáticas: Pacto Global dos Autarcas é o vencedor do Prémio Gulbenkian para a Humanidade

Carla Tomás

Jornalista

O Pacto Global dos Autarcas para o Clima e a Energia — Global Covenant of Mayors for Climate & Energy — é a organização internacional agraciada com o Prémio Gulbenkian para a Humanidade em 2021, no valor de um milhão de euros. Este Pacto resulta de uma aliança de mais de 10 mil cidades e governos municipais de 140 países de seis continentes. O dinheiro do prémio já tem destino definido para projetos em África, concretamente para seis cidades no Senegal e nos Camarões, para projetos que aguardavam financiamento para construção de sistema de avastecimento de água potável e de energia..

Um ano depois de ter escolhido a jovem ativista Greta Thunberg, pela sua capacidade individual de influência coletiva por um bem comum a nível mundial associada ao seu modo direto e carismático de comunicar, o júri do Prémio Gulbenkian optou por eleger uma aliança de decisores locais que se articulam de forma ativa na resposta à crise climática e podem encorajar outros a seguirem o exemplo.

“O prémio foi dado com a convicção de que este Pacto representa o compromisso de mais de 10 mil autarcas de todo o mundo e que representam entidades que criam soluções para esta crise global a partir de decisões ao nível local”, sublinha ao Expresso o vice-presidente do Grande júri, Miguel Bastos Araújo. O biogeógrafo e Prémio Pessoa 2018 recorda que “as cidades representam cerca de 70% das emissões de CO2 do planeta e tudo o que se nelas se faz para reduzir as emissões é um ganho, seja através de políticas de espaços verdes, de geração de energia elétrica fotovoltaica para autoconsumo, ou em termos de racionalização do uso da água ou de aposta em eficiência energética”.

Muito do que consta no Acordo de Paris não passa só pela intervenção direta dos Estados e disso é exemplo o que aconteceu nos EUA depois do ex-Presidente Donald Trump ter ‘rasgado’ o acordo assinado por Barack Obama em 2015 em Paris. “É bom recordar como o Covenant of Mayors nos EUA conseguiu continuar com as medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas a nível local e estadual mesmo no contexto adverso de saída do Estado central [administração Trump] do Acordo de Paris”, frisa Miguel B. Araújo.

Esta escolha, explica ainda, “alia o lema do Acordo de Paris de pensar e agir globalmente à máxima da antiga primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland [a 'mãe do Relatório Brundtland sobre o Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, que disseminou a ideia de desenvolvimento sustentável] de que é preciso pensar globalmente e agir localmente”. O vice-presidente do júri reforça: “O Global Covenant é um movimento muito mais próximo das pessoas do que os grandes tratados entre Estados”.

Mais de 800 milhões de pessoas representadas

Frans Timmermans
JOHANNA GERON/REUTERS

O Global Covenant of Mayors resulta da união entre o Pacto Europeu dos Autarcas e o americano, em 2016. É a maior organização global de municípios e governos locais pela liderança climática, representando mais de 800 milhões de pessoas (10% da população global). A organização global é co-presidida pelo magnata e filantropo norte-americano Michael Bloomberg e pelo vice-presidente executivo da Comissão Europeia para o Pacto Ecológico, Frans Timmermans, e conta com o apoio da Comissão Europeia e da Bloomberg Philanthropies. Na cimeira do clima de Madrid, em 2019 (COP25), Michael Bloomberg, antigo presidente de Câmara de Nova Iorque e enviado especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para Ambições e Soluções Climáticas, lembrou que apesar de terem então um negacionista na Casa Branca, os americanos continuavam a querer agir no combate à crise climática.

Durante a apresentação do prémio, a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, sublinhou que este prémio demonstra “a elevada importância da descarbonização e resiliência das cidades no combate à crise climática e na recuperação económica coesa e sustentável, bem como do impacto da ação local a nível global”.

Um relatório recente do Global Covenant indica que esta aliança de autarcas tem capacidade para em conjunto reduzir potencialmente cerca de 24 mil milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2030 e 90 mil milhões de toneladas de CO2 até 2050, atingindo a ambicionada neutralidade carbónica. Recorde-se que 86% das áreas urbanas ou periurbanas estão localizadas em zonas costeiras e são particularmente afetadas por eventos extremos derivados das alterações climáticas, como inundações súbitas associadas a chuva extrema e à subida do nível médio do mar.

“Precisávamos de eleger decisores que podem fazer mudanças e a Covenant of Mayors for Climate and Energy, é uma força forte”, lembra Runa Khan, fundadora da Friensdhip Internacional e um dos elementos do júri. “De um indivíduo com uma voz forte, fomos agora para uma força coletiva que pode agir e fazer mudanças e também ser uma voz para os governantes dos seus países. Esperamos que o Sr. Timmermmans e o Sr. Bloomberg tomem as decisões certas”, reforça a empreendedora social.

Quando tomou posse como co-presidente deste Pacto Global na COP25 em Madrid, Frans Timmermans disse que “a ação climática urbana está no centro do Pacto Ecológico Europeu” e que se orgulhava de se juntar a esta liderança de “mayors” por “trazerem o compromisso climático das cidades para o Pacto europeu”. As cidades e parceiros associados partilham uma visão de longo prazo de apoio ao combate às alterações climáticas e à transição para sociedades descarbonizadas e mais resilientes. Timmermans receberá o Prémio Gulbenkian presencialmente a 9 de novembro, na COP 26 em Glasgow.

Das 113 candidaturas, o comité de especialistas começou por seleccionar 40 e eleger três finalistas. O Pacto Global dos Autarcas foi o escolhido entre os três pela administração da Fundação Gulbenkian e contou com o apoio unânime do júri. Entre as personalidades que compõem o júri do Prémio Gulbenkian 2021 constam Mariana Mazzucato (Professora de Economia da Inovação e Valor Público na University College London (UCL) e Diretora do Instituto de Inovação e Propósito Público da UCL); Sandra Díaz (Bióloga, Professora de Ecologia na Universidade Nacional de Córdoba e membro da Royal Society); Miguel Arias Cañete (antigo Comissário Europeu da Energia e Ação Climática);Rik Leemans (Diretor do Grupo de Análise de Sistemas Ambientais, Universidade de Wageningen); Hans Joachim Schellnhuber (Fundador e Diretor Emérito do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático); Runa Khan (Fundadora e Diretora Executiva da ONG Friendship e Presidente da Global Dignity Bangladesh); Johan Rockström (Diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático e Professor de Ciências do Sistema Terrestre na Universidade de Potsdam.

*atualizado com declarações de Isabel Mota, Presidente da FCG às 13h20

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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