Sociedade

Mina de lítio: Quem se ‘lixa’ no Barroso não é só o mexilhão

Mina de lítio: Quem se ‘lixa’ no Barroso não é só o mexilhão

Centenas de páginas de pareceres de várias associações e da autarquia de Boticas “chumbam” o projeto de ampliação da mina de lítio do Barroso, em Trás-os-Montes. A consulta pública terminou na sexta-feira passada e contou com 166 participações, grande parte a chumbar o projeto que vai afetar uma zona classificada como Património Mundial. Entre as gentes da região há quem aponte para um “ecocídio”

Mina de lítio: Quem se ‘lixa’ no Barroso não é só o mexilhão

Carla Tomás

Jornalista

O pequeno mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera) conseguiu travar a barragem de Padroselos, num afluente do rio Tâmega, em Boticas, em 2010, mas não se sabe se terá o mesmo poder para travar o projeto de ampliação da mina de lítio do Barroso. O bivalve é uma das espécies em risco de extinção que, a par da toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e do lobo-ibérico (Canis lupus), podem ser grandemente impactadas pelo polémico projeto mineiro, cujo processo de avaliação de impacte ambiental ainda não chegou ao fim.

Não se sabe quando haverá uma decisão final, já que o projeto obriga a uma avaliação transfronteiriça e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) não consegue apontar um prazo para a conclusão do processo. O que se sabe, para já, é que vários dos 166 pareceres que deram entrada na APA em sede de consulta pública da avaliação de impacte ambiental, até 16 de julho, chumbam o projeto. Entre estes, os das organizações ambientalistas Zero e Geota, da associação Povo e Natureza do Barroso, do Partido Os Verdes (PEV) e da Câmara Municipal de Boticas. Todos apontam para evidentes impactes ambientais que "lixam" não só a fauna e a paisagem como quem lá vive.

“Ecocídio”

Se a ampliação da mina for autorizada pela APA, “vislumbramos um ecocídio numa das regiões com maior biodiversidade do país e um futuro muito negro pela frente”, frisa ao Expresso Vítor Barroso Afonso, presidente da Associação Povo e Natureza do Barroso. No documento em que chumbam o projeto (e para o qual contaram com a colaboração de vários especialistas entre juristas, biólogos e hidrogeólogos) alertam para os graves efeitos negativos da mina no ambiente natural e na população local. “A APA dispõe de argumentação muito sólida e consistente para emitir um parecer desfavorável e, se não o fizer, isso significará o fim do Barroso tal como o conhecemos”, antevê o empresário ligado ao turismo da natureza na região.

Vítor Afonso teme que se houver luz verde para este projeto, outros concursos para novos projetos mineiros vão surgir e já há empresas internacionais a posicionarem-se para avançar, incluindo a própria Savannah Resources, dona do projeto aqui em jogo e que pretende pô-lo em campo já em 2023. “O Governo fala em milhões de investimento na região e criação de postos de trabalho, mas o dinheiro não compra tudo”, frisa Vítor Barroso Afonso.

Clima, ruído e destruição da paisagem

Se a autorização de alargar a área de concessão da exploração de depósitos minerais de quartzo, feldspato e lítio (para 593 hectares), for para a frente, implicará uma área de exploração a céu aberto que ocupará o equivalente a quatro crateras que, no seu conjunto, somam a área de 70 campos de futebol. Segundo, vários dos pareceres consultados pelo Expresso, tal área de exploração numa região classificada como Património Agrícola Mundial, será tão intrusiva que pode ser visível até 30 km de distância

E se a conservação da fauna é uma questão pertinente, também o é “a convivência da população em permanência com uma mina a céu aberto, em laboração 24 horas por dia, que dista escassas centenas de metros de casas de habitação”, sublinha Nuno Forner, da associação Zero. Mesmo com a empresa promotora a dizer que só “o barulho das explosões não durará mais de cinco segundos e acontecerá apenas durante o dia” ou que vai “construir uma barreira natural com árvores para diminuir o impacto paisagístico”, o ruído que vai provocar é um factor acrescido de “incómodo e stress” para os aglomerados rurais vizinhos.

E, se em tempos de crise climática, os ambientalistas reconhecem “a importância da transição energética e eletrificação da sociedade com uso de tecnologia com base no lítio”, também sublinham que “não serve de justificação para a sôfrega procura de recursos minerais, sem que sejam devidamente acautelados os impactes sociais, económicos e ambientais”. Por isso, consideram que “'mineração verde' é um conceito falacioso, suportado por uma narrativa de ‘greenwashing’”.

Consequências irreversíveis

Também o Partido Os Verdes (PEV) não vislumbra “medidas minimizadoras ou compensadoras que consigam atenuar os impactos que a mina teria numa área que consideram de excelência em termos ambientais”. Os Verdes, apontam “graves lacunas no EIA, nomeadamente a nível do Lobo-ibérico”, e sublinham que “a crise climática e a crise sanitária nos mostraram a eficácia e resiliência aos tempos, destas paisagens e habitats que devem servir de exemplo e ser mais que nunca preservadas e valorizadas”. E, frisam: caso se venha a concretizar, vai afetar um quinto da área da freguesia de Covas do Barroso, ficando a 200 metros da aldeia de Romaínho, e a menos de 1 km das de Muro, Covas do Barroso, Dornela ou Lousa.

Por seu lado, o Grupo de Estudos do Ordenamento de Trabalho e Ambiente (GEOTA) considera que “o projeto pode ter consequências irreversíveis e exige uma estratégia nacional mais coerente com os objetivos ambientais e climáticos”. Para os ambientalistas, o EIA submetido a consulta pública “apresenta uma perspetiva enviesada e medidas de minimização que são apenas pensos-rápidos que não evitarão danos irreversíveis e desastrosos no futuro”. E deixam cinco alertas: o projeto não pode ser aprovado antes da publicação de uma Avaliação Ambiental Estratégica sobre exploração de lítio em Portugal; os impactos negativos permanentes e de magnitude elevada vão e fazer-se sentir no clima, na geologia, e nos recursos hídricos; vai diminuir sua qualidade de vida das populações locais e promover o abandono do interior; as características do projeto não parecem adaptadas ao desenvolvimento local a médio e longo prazo; e vai afetar uma área que é património da UNESCO e próximo de locais ecológicos sensíveis.

A vice-presidente do GEOTA, Patrícia Tavares, lembra ainda que, apesar de “o lítio ter uma importância estratégica na transição energética para mitigar os piores efeitos das alterações climáticas, e Portugal ter reservas significativas de lítio ao nível da União Europeia, tal não garante a sua competitividade no mercado internacional”.

A Câmara Municipal de Boticas também tornou público que que deixou “bem vincada e sustentada a sua posição contrária” sobre a exploração de lítio em Covas do Barroso. Ao longo de 134 páginas aponta “desconformidades”, “problemas metodológicos” e “incongruências inadmissíveis”, impacte negativos, e espera ver o projeto “rejeitado”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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