Entre as várias razões que levam um casal a decidir ter filhos ou não ter, há um fator determinante que se sobrepõe a todos os outros motivos económicos ou sociais: a vontade de ser mãe ou pai. Mas apesar de essa decisão ser sobretudo individual, as políticas públicas podem fazer diferença. É essa a conclusão de um dos cinco estudos divulgados esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), desenvolvidos a partir dos resultados do Inquérito à Fecundidade 2019.
“Percebemos que a decisão de ter ou não ter filhos não é tanto uma questão de mulheres ou de homens, de baixos ou de altos rendimentos, de se residir ou não em áreas urbanas, de se ter nascido em Portugal ou no estrangeiro, de se ter a nacionalidade portuguesa ou outra, de se ser mais ou menos escolarizado, de se trabalhar por conta própria ou por conta de outrem. A decisão de parentalidade é, acima de tudo, uma questão de vontade”, concluem as autoras deste estudo, Isabel Tiago de Oliveira e Maria João Valente Rosa.
Apesar disso, o papel das políticas públicas na fecundidade “não é negligenciável”, defendem as investigadoras. “Não só para as pessoas que querem ter filhos, mas também para as pessoas que não querem (atendendo a que a expressão dessa vontade pode, em muitos casos, ser apenas temporária) as políticas públicas podem fazer alguma diferença, no sentido da redução, quer de incertezas, nomeadamente perante o mercado de trabalho, quer dos desequilíbrios de papéis e expectativas entre homens e mulheres, tanto no exercício da atividade profissional como na parentalidade.”
Em 2019, 43% das pessoas não pensavam ter mais filhos para além dos que já tinham. E uma em cada dez pessoas no período fértil (8,4% das mulheres e 11% dos homens) disse não querer ter filhos nem esperar vir a ter, segundo os resultados do inquérito conhecido em dezembro do ano passado. Em 2013, no anterior Inquérito à Fecundidade, os números eram mais baixos: 8,6% não queriam ter nem esperavam vir a ter filhos (7,7% das mulheres e 9,4% dos homens).
Ter ou não um segundo filho
Apesar de a vontade ser um “primeiro passo para ter filhos”, as circunstâncias que levam as pessoas a concretizar a sua vontade “dependem de diversos outros fatores, como por exemplo, aqueles ligados à segurança financeira, social, psicológica e de saúde, sendo essas as áreas onde as políticas públicas podem (e devem) atuar”, aponta outro dos estudos.
A maioria dos portugueses esperam ter dois ou mais filhos, mas têm apenas um. E a análise dos dados mostra que a vontade de não ter mais filhos é a razão principal para não avançar. Ainda assim, não transitar para o segundo filho é mais provável de acontecer nas famílias “com desejos de fecundidade mais baixos, rendimentos inferiores, níveis de escolaridade mais elevados e que tiveram o primeiro filho mais tarde”.
“Os resultados mostram que a probabilidade de não ter transitado para o segundo filho está intimamente ligada ao adiamento da idade de entrada na parentalidade. Como seria de esperar, a idade ao nascimento do primeiro filho permanece como um dos mais importantes preditores da fecundidade, sendo os que adiaram o nascimento do primeiro filho mais vulneráveis ao intervalo de tempo ainda disponível para a chegada do segundo filho”, lê-se no artigo de Rita Brazão Freitas, Andreia Maciel e Maria Filomena Mendes.
Portugal é um dos países da Europa com um dos mais baixos níveis de fecundidade, contrastando com países como a França, Suécia, Roménia, Irlanda e Dinamarca, mais próximos do limiar da substituição das gerações (2,1 filhos por mulher). Embora o número médio de filhos por mulher em Portugal tenha aumentado de 1,21 em 2013 para 1,42 em 2019, o indicador ainda permanece baixo.
Meus, teus - e os nossos?
Ao mesmo tempo, a análise dos dados do inquérito mostram que há um espaço para aumento da fecundidade em famílias recompostas, ou seja, casais que têm os seus filhos de relações anteriores mas que ainda não têm nenhum em comum. “A recomposição familiar pode constituir efetivamente uma segunda oportunidade para completar um projeto parental, mesmo quando o contexto laboral não oferece as melhores condições”, concluem as três autoras, Vanessa Cunha, Susana Atalaia e Sofia Marinho.
“A transição para o segundo filho, provavelmente a decisão reprodutiva mais fraturante na sociedade portuguesa tem aqui, justamente, uma oportunidade para se concretizar”, explicam. Segundo este estudo, confirma-se a “relevância da parentalidade não residente: ter filhos, mas, sobretudo, ter enteados a viverem fora do núcleo, é um fator determinante”.
Entre os dois inquéritos à fecundidade realizados pelo INE, um em 2013 e outro em 2019, alguns indicadores de natalidade e fecundidade “mostraram uma (pequena) recuperação da fecundidade” e “algum abrandamento no aumento da idade da mulher ao nascimento dos filhos”, indica a nota introdutória da publicação agora divulgada.
“Sublinha-se, ainda, a redução do peso relativo da população feminina em idade fértil (dos 18 aos 49 anos) no total da população feminina residente em Portugal. Também entre 2013 e 2019, entraram seis novas gerações de mulheres no grupo etário demograficamente designado em 'idade fértil' e, nesse mesmo período, seis gerações saíram desse grupo, o mesmo acontecendo na população masculina do grupo etário dos 18 aos 54 anos.”