O maior pedaço de plástico encontrado pelo investigador João Pequeno nas entranhas de um carapau tinha 4680 micrómetros, o que equivale a cerca de cinco milímetros. Dificilmente seria consumido se tivesse ido parar ao prato de alguém, porque as tripas do peixe normalmente não são comidas. Porém, isso não significa que não andemos a comer plástico, já que, como explica ao Expresso este investigador do Centro de Ciências do Mar (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova (FCT Nova), “quando consumimos peixes ou bivalves, podemos ingerir sem os detetar nanoplásticos que entretanto passaram para o músculo do peixe”.
O mais recente estudo sobre a presença de microplásticos em espécies marinhas e estuarinas da costa portuguesa — ‘Microplastics in Marine and Estuarine Species From the Coast of Portugal’ — foi agora publicado na revista “Frontiers in Environmental Science”. A investigação, conduzida pelo engenheiro do ambiente João Pequeno — e que contou com outros cientistas do MARE da FCT Nova e da Universidade de Coimbra como Paula Sobral e Filipa Bessa —, vem confirmar o que outros estudos têm revelado: a omnipresença da poluição por plástico em rios e mares.
Neste estudo, os investigadores detetaram indícios de microplásticos no sistema gastrointestinal de cerca de 80% dos 474 exemplares de carapau, cavala, mexilhão, lambujinha e minhocão dissecados e analisados em laboratório. Os exemplares apanhados em diversos locais da costa portuguesa — os carapaus e as cavalas eram oriundos da costa de Sesimbra e da Figueira da Foz, os mexilhões da zona de Porto Covo e do estuário do Tejo, e as lambujinhas e o minhocão do estuário do Sado — demonstram que a poluição por microplásticos existe em diferentes espécies marítimas e habitats e entram na cadeia da alimentação humana.
“Se os peixes e os bivalves os consomem, nós também”, lembra João Pequeno. E se os podemos retirar do carapau ou da cavala, quando os amanhamos, já nos mexilhões, nas ameijoas ou nas lambujinhas ingerimo-los por inteiro. O investigador frisa que “é preciso mais investigação sobre as consequências da presença e da acumulação destes plásticos e dos seus efeitos tóxicos para a saúde pública”. E que “é necessário adotar políticas e medidas mais ambiciosas em relação à diminuição da produção e do consumo de plástico, incentivando boas práticas na indústria, no consumidor e nos sistemas de recolha e reciclagem”.
A poluição que despejamos para os nossos rios
Apesar de este estudo em concreto não estabelecer uma relação direta sobre a origem destes plásticos, outras investigações recentes lembram que os rios da Europa (e não só os da Ásia) são os canais por onde estes microplásticos chegam à nossa costa e contaminam o pescado que ingerimos. A investigadora Filipa Bessa, do MARE da Universidade de Coimbra, também participou num outro estudo recentemente publicado na revista “Nature Sustainability” que revela que “a Europa também contribui, de forma significativa, com transferência de cerca de 307-925 milhões de itens de plástico para o mar” e que “82% do lixo que chega ao mar é plástico”.
A investigação sobre a poluição de plástico gerada pelos rios europeus — “Floating macrolitter leaked from Europe into the ocean” — foi liderada por dois investigadores da Universidade de Cadiz (Daniel González e Andrés Cózar) e envolveu mais de duas dezenas de investigadores de 11 países, incluindo Portugal.
Filipa Bessa recolheu dados do rio Mondego, um dos 42 rios europeus analisados e que está “a meio da tabela no que toca a emissões poluentes de plástico”. Ao Expresso, esclarece que o estudo revela que as economias mais ricas da Europa são as que mais contribuem para o lixo de plástico flutuante que chega ao oceano através dos rios do continente europeu.
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