Exclusivo

Sociedade

Oposição quer alterar lei que proíbe a pernoita de autocaravanas no espaço público

Oposição quer alterar lei que proíbe a pernoita de autocaravanas no espaço público
Marcos Borga

Cinco propostas para alterar alguns artigos do Código da Estrada que proíbem os autocaravanistas de pernoitar em espaços não determinados para o efeito vão ser discutidos esta sexta-feira no Parlamento. Enquanto as entidades ligadas ao sector aplaudem, moradores e pequenos empresários da Costa Vicentina, uma das zonas mais fustigadas pelo caravanismo selvagem, temem que “volte tudo à estaca zero” e que signifique o regresso ao inferno de ter muros de autocaravanas junto às praias entre Sines e Sagres.

Oposição quer alterar lei que proíbe a pernoita de autocaravanas no espaço público

Carla Tomás

Jornalista

Cinco partidos com assento parlamentar — PCP, PEV, BE, PSD e CDS — vão esta sexta-feira pôr a discussão diferentes projetos de lei para alterar a legislação aprovada pelo Governo em dezembro de 2020. Desde janeiro de 2021 que o Código da Estrada proíbe “a pernoita e o aparcamento de autocaravanas ou similares fora dos locais expressamente autorizados para o efeito”. Entre as 21h00 horas de um dia e as 7h00 horas do dia seguinte, quem pernoitar numa autocaravana ou numa carrinha adaptada junto a praias, em pinhais, em estações de serviço, ou nas ruas das localidades, ou em outros locais que não sejam específicos para o efeito, como os parques de campismo, incorre numa multa que vai de €60 a €300, subindo para €20 a €600 se se tratar de pernoita ou aparcamento em áreas da Rede Natura 2000.

A iniciativa de apresentar um projeto de alteração legislativa partiu do PCP, que assim “viu uma oportunidade de pôr o tema a debate e acompanhar a apresentação da petição que apela à revogação da norma da pernoita, remetendo para as autarquias a regulamentação destas situações” (que reuniu quase oito mil assinaturas), esclarece ao Expresso o deputado Bruno Dias. Os comunistas querem eliminar o conceito de “pernoita” do código da estrada, uma vez que, explica o deputado, isso “discrimina os autocaravanistas, já que uma pessoa pode dormir dentro do seu carro onde quiser se estiver cansado durante uma viagem, mas já não pode se estiver a conduzir uma autocaravana”. E querem que “as autoridades locais e ambientais estabeleçam as regras para os seus territórios”, já que, se as da Costa Vicentina podem querer reduzir o excesso de autocaravanas, outras do interior querem que estas os visitem. O deputado lembra que os planos de ordenamento das áreas protegidas e os planos especiais de ordenamento da orla costeira interditam a permanência de autocaravanas ou similares nos parques e zonas de estacionamento, em período noturno, em áreas sensíveis, nomeadamente da Rede Natura 2000 junto a praias.

Na mesma linha, o deputado José Luís Ferreira, do PEV, defende que a lei em vigor “obriga a que as pessoas que fazem uma longa viagem na autoestrada não possam sair numa área de serviço e descansar, como fazem muitos condutores por questões de segurança”. Por isto, o partido Os Verdes quer que seja clarificado “o conceito de permanência, de aparcamento e acampamento”, já que, de acordo com a lei atual, uma autocaravana pode ficar parada num sítio a noite toda desde que não tenha ninguém lá dentro. José Luís Ferreira defende que “é necessário garantir a sustentabilidade do autocaravanismo com responsabilidade e respeito pela saúde pública”.

O Bloco de Esquerda, por seu lado, quer “esclarecer o conceito de pernoita no Código da Estrada”, indica Isabel Pires, lembrando que “existem poucos equipamentos para o efeito no país” e que “o autocaravanismo traz benefícios para as economias locais, no interior e no litoral do país”.

Já o PSD quer “manter o conceito de pernoita por duas noites, com excepção dos locais em área protegida ou em Rede Natura, onde as autocaravanas só poderão parquear ou pernoitar em locais estabelecidos para o efeito”, argumenta Cristóvão Norte. O deputado social democrata espera que os diferentes projetos legislativos possam ser aperfeiçoados na especialidade. “Não pretendemos ir do 8 ao 80, como o Governo foi do 80 para o 8”, diz. Admitindo que “o troço Sines-Sagres tem enfrentado um problema e este pode continuar a aumentar, lembra também que "há zonas no interior do país onde não existem parques de campismo ou locais específicos para autocaravanas que beneficiam com a paragem deste tipo de turistas”.

O Partido Socialista irá chumbar qualquer das propostas se forem a votação, “porque se trata de uma matéria legislada recentemente pelo Governo”, mas pode viabilizar a sua descida a discussão na especialidade. E, se assim acontecer, “não deixará de dar o seu contributo”, indica o deputado Hugo Costa, do PS.

Costa Vicentina teme "regresso ao inferno"

O polémico artigo 50º do Código da Estrada é aplaudido por entidades como a associação Rota Vicentina, que se dedica ao turismo da natureza nesta região, que não o querem ver alterado. Contudo, é muito contestado por entidades como a Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA).

O presidente da FPA, Manuel Bragança, quer ver “o conceito de ‘pernoita’ desaparecer do código da estrada” e defende que “já existem regras e proibições para parquear ou pernoitar na Costa Vicentina, impostas pelos POOC que precisam é de ser melhor fiscalizadas”.

Em 2020, uma ação de fiscalização da GNR e do Instituto Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) levou ao levantamento de 97 autos de contraordenação por campismo e autocaravanismo em locais não permitidos, no concelho de Aljezur, no Parque Natural do Sudoeste Alentejo e Costa Vicentina.

Contudo, para a associação de moradores, empresários locais e para a associação Rota Vicentina, a lei que entrou em vigor em 2021 permitiu “regular de forma eficaz e objectiva” o que dizem ser até aqui “um inferno da ocupação ilegal” de autocaravanas no território do PNSACV, com alguns dos autocaravanistas ou campistas selvagens a despejarem lixo e dejetos junto a praias ou noutras áreas do parque natural.

Ao longo da última década, esta região tem sido das mais fustigadas pelo exponencial crescimento do autocaravanismo e é essa a razão que leva quem ali vive ou tem negócios de turismo local a entender que “um retrocesso nesta lei terá como consequência inequívoca um passo atrás no ordenamento do PNSACV, com a permanência de centenas de carrinhas e autocaravanas nas falésias e estacionamentos das praias”, argumenta Marta Cabral. A presidente da Rota Vicentina lembra que “o território não está preparado para receber esta dimensão de autocaravanas e há muito que o limite aceitável foi ultrapassado”.

Não querem continuar a ver “muros de autocaravanas” à frente das praias, que classificam de "insustentável num parque natural”. Mas admitem que “a situação é complexa e que possa haver aspectos a ajustar”. Os parceiros da Rota Vicentina “querem um debate muito sério sobre este tema, que inclua as associações que representam os caravanistas e o negócio de venda e aluguer de autocaravanas e carrinhas adaptadas (sem wc), mas também as comunidades locais, que sofrem com o impacto desta prática”, que, segundo Marta Cabral, “não contribui para a economia local.

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate