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Crianças correm o risco de perder o interesse na escola: Provedoria avaliou os prós e contras do ensino à distância

Crianças correm o risco de perder o interesse na escola: Provedoria avaliou os prós e contras do ensino à distância
MÁRIO CRUZ/LUSA

Estudo elaborado pela Provedoria de Justiça assinala as potenciais desvantagens do uso exclusivo das aulas à distância, “ou tendencialmente exclusivo”: “o risco de as crianças perderem o interesse na escola” e a dificuldade de um “efetivo controlo do trabalho dos alunos por parte das escolas”

Crianças correm o risco de perder o interesse na escola: Provedoria avaliou os prós e contras do ensino à distância

Mafalda Ganhão

Jornalista

Tarefa “que se revelou muito árdua para os agrupamentos escolares”, a implementação do ensino à distânica, por causa da pandemia, “trouxe ensinamentos que não devemos perder”, conclui um dos três estudos publicados pela Provedoria da Justiça, dedicados a avaliar o impacto da pandemia em diferentes áreas.

A análise dedicada à Educação recolhe informações que foram sendo obtidas durante a primeira fase de suspensão das aulas presenciais, em 2020, e lembra que o encerramento das escolas “aumentou o risco de surgimento ou agravamento de situações de exclusão social”. Nesse sentido, pode ler-se que “foi muito importante a implementação de um acompanhamento de proximidade, concertado entre os agrupamentos escolares, a ação social do município, a CPCJ, a GNR, a PSP, entre outros”.

O documento apresenta outras conclusões. Destaca que, em matéria de ensino à distância, o Governo “não impôs um modelo único”, tendo sido atribuído às escolas “um enorme espaço de autonomia”, embora sob um enquadramento orientador. Acabaria por ser privilegiado “um método em constante aperfeiçoamento”, é referido, para se considerar que “só o desenho da forma de ensinar por parte das próprias escolas permitiu uma adaptação à realidade e necessidades escolares”.

Coexistiram diferentes modelos possíveis de ensino, constata o “caderno da pandemia” dedicado à Educação, o que não impediu a existência de algumas assimetrias. Considerados um por um, o documento assinala as potenciais desvantagens do uso exclusivo das aulas à distância, “ou tendencialmente exclusivo”: “o risco de as crianças perderem o interesse na escola” e a dificuldade de um “efetivo controlo do trabalho dos alunos por parte das escolas” são duas delas. O mesmo tipo de dificuldades se apresentaram em relação à utilização da televisão, com o "Estudo em Casa", “por também estarmos perante um meio passivo de transmissão de conhecimentos”, que exige uma autodisciplina elevada (mais difícil nos alunos mais novos), e uma “supervisão familiar sólida”.

Escassez de meios tecnológicos compromete direito à educação

Quanto aos métodos assentes em aulas síncronas, cujas virtudes passam por permitir “uma aproximação ao modelo normal de aulas”, o problema está em muitos alunos poderem “acabar por ver o seu direito à educação comprometido, pelo simples facto de não disporem dos recursos técnicos/tecnológicos para acompanharem as aulas”.

Daqui resulta a conclusão de que “a implementação do ensino à distância acabou por ser uma tarefa muito árdua para os agrupamentos escolares”, exigindo soluções como a necessidade de munir as crianças, que não dispunham de material informático, desses equipamentos, “nomeadamente através de empréstimo, doação ou mediante disponibilização em espaços públicos para consulta”. Em algumas zonas do país, a cobertura de rede foi também um problema, daí a “importância da ação conjunta de todos estes atores sociais, nomeadamente estruturas locais, associações, ONG e autarquias".

A conclusão de que “às crianças provenientes de agregados familiares mais vulneráveis deve atribuir-se uma atenção particular”, lembra que o encerramento dos estabelecimentos de ensino “também aumentou o risco de surgimento ou agravamento de situações de exclusão social”. Não foi, por exemplo, suficiente designar uma escola responsável por fornecer as refeições. A solução para falta de transporte até ao estabelecimento de ensino passou pelo apoio prestado pelas autarquias, através da recolha e entrega das refeições.

O estudo lembra, por outro lado, que “as modalidades de ensino à distância disponibilizadas aos alunos com deficiência e que frequentavam o ensino obrigatório foram avaliadas de forma negativa, em inquérito promovido pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos”. Foram consideradas desadequadas às necessidades dos alunos em questão, cujas famílias também se viram a braços com a suspensão ou redução de apoios e serviços essenciais como terapias e assistência pessoal.

Em face desta constatação, “seria de investir num apoio extraordinário ou mais intenso a este grupo de alunos”, aponta a análise. “Semelhante raciocínio seria de aplicar aos alunos não falantes de língua portuguesa”, que também ficaram “em larga medida prejudicados” com a interrupção das aulas presencias.

Portugal sem diferenças significativas face a outros países

Em termos comparativos, e analisadas as experiências vividas na Alemanha, Espanha, França e Itália, “é possível concluir que, para prosseguir o ensino à distância, foram enfrentados desafios semelhantes e utilizados métodos análogos” em Portugal, “com as devidas adaptações a cada realidade nacional”, indica o estudo.

Além de o ensino remoto ter exigido, “num curto espaço de tempo”, um “enorme esforço de adaptação e a adoção de soluções criativas”, “a crise revelou a enorme importância da conectividade digital e dos recursos disponibilizados online nos vários países”, o que pode ser entendido como “uma oportunidade para repensar os métodos de ensino até então utilizados”.

O estudo lançado pela Provedoria da República deixa alertas. Considera que, “atendendo à incerteza do futuro, não devemos perder os ensinamentos da experiência vivida”.

“Os agrupamentos que investiram na formação dos docentes, através de formações internas e externas, e de uma forma contínua, acabaram por enfrentar com maior fluidez este desafio”, é sublinhado, para depois se recomendar o "investimento no parque informático das escolas”, não devendo ser descurada também “a adequação dos meios a usar em função dos utilizadores”.

Quanto ao recurso às aulas síncronas e assíncronas, “deve obedecer a critérios objetivos”, como considerar o número de aulas em função das idades dos alunos e incluir espaço para a realização de trabalhos individuais. Seria útil, é sugerido, “estabelecer um calendário escolar que planificasse com a maior antecedência possível o número de aulas e o tipo de aulas”.

Uma outra recomendação prende-se com a vantagem de criar “núcleos de apoio que possam auxiliar os pais com maior sobrecarga de trabalho ou que não dispõem de conhecimentos para apoiar os filhos na aprendizagem à distância”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: MGanhao@expresso.impresa.pt

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