Sociedade

Ministro do Ambiente de “olhos fechados” à expansão de estufas em Odemira

João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente
João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente
TIAGO PETINGA/LUSA

Matos Fernandes continua a fugir a respostas claras sobre a expansão da área de estufas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano, quando questionado em audição na comissão parlamentar de Ambiente sobre o tema. O ministro do Ambiente anunciou que a proposta de um teleférico a ligar o Gerês à Pedra Bela será “chumbado” e que a lei ProSolos, na gaveta há seis anos, deverá ser aprovada “dentro de dois meses”

Ministro do Ambiente de “olhos fechados” à expansão de estufas em Odemira

Carla Tomás

Jornalista

“O Ministério do Ambiente não pode fechar os olhos”, criticou esta tarde a deputada Mariana Silva, do grupo parlamentar Os Verdes, apontando para “o mar de plástico, utilização intensiva de pesticidas e uma pressão sobre zonas instáveis em plena área protegida”. Na questão levantada na audição parlamentar na comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, esta terça-feira, a deputada de Os Verdes também sublinhou a necessidade de “mais fiscalização e limitação deste tipo de produção agrícola” no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Perante as questões levantadas sobre a agricultura intensiva nesta área protegida, o ministro do Ambiente e Ação Climática limitou-se a repetir o que tem dito, refugiando-se numa resolução do Conselho de Ministros de 2019, de que houve "uma redução objetiva para metade das áreas que podem ser impermeabilizadas na área do perímetro de rega do Mira”. Matos Fernandes argumentou que, "há aproximadamente dois anos e meio, podiam ocupar-se as parcelas do perímetro de rega a 80 por cento com estufas, estufins, túneis e outras estruturas de plástico", para culturas hortofrutícolas, e que “essa percentagem foi reduzida para 40%”. O ministro disse ainda que o mesmo diploma definiu “quais as áreas sensíveis, as linhas de água a proteger e a garantia de um mínimo de 100 metros de afastamento [das estufas] da crista da arriba” e deu a entender que mais nada pode fazer por se tratar de “uma área produtiva que veio, depois de ser de rega, a integrar a área do parque natural do sudoeste alentejano”.

Área de estufas pode triplicar

A área de estufas ocupa atualmente 1545 hectares no perímetro de rega do Mira, nos concelhos de Odemira e Aljezur (mais 300 hectares do que em 2019), segundo dados do Ministério da Agricultura. A área ocupada por estufas e estufins para frutos vermelhos e alfaces equivale a perto de 13% do dito perímetro, o que significa que ainda pode efetivamente triplicar, chegando a um total de 4800 hectares (uma vez que o perímetro de rega tem 12.000 hectares) autorizado pelo Governo.

Questionado pelo Expresso esta terça-feira sobre se vai fazer alguma coisa para impedir que a atual área de 13% coberta por estufas e afins passe para 40%, o ministro não respondeu. Já na semana passada o gabinete de Matos Fernandes limitou-se a remeter a resposta para a RCM n.º 179/2019, que permite passar de 30% para 40% a área total coberta, com o argumento de que assim “se reduziu” de 80% para 10% a expansão de túneis e estufins de plástico permitidos.

Continuamos a não perceber como é que o ministro do Ambiente nega esta evidência, perante o contínuo aumento da poluição por plástico e pesticidas, numa área protegida”, afirmou ao Expresso a deputada Mariana Silva, no final da audição. Insatisfeita com as “não respostas” sobre se o Governo vai ou não limitar o crescimento deste tipo de agricultura, Mariana Silva garante que a questão voltará a ser levantada.

Já perante a pergunta levantada pela deputada do PSD, Filipa Roseta, sobre os valores sensíveis a preservar no Parque Natural do Sudoeste Alentejano, Matos Fernandes informou que “o ICNF se comprometeu a cartografar as áreas mais sensíveis no perímetro de rega do Mira” e que “esse trabalho está feito”. E em relação às dúvidas da deputada do Bloco de Esquerda, Beatriz Gomes Dias, sobre o conflito entre a Estratégia Nacional para a Biodiversidade 2030 e este tipo de exploração agrícola intensiva e a autorização dada pelo Governo de se colocarem “unidades de alojamento temporário amovível” (contentores) para albergar trabalhadores sazonais dentro das propriedades agrícolas no Parque Natural, o ministro do Ambiente referiu que “os tão criticados pré-fabricados não foram construídos”. Porém, considerou que “aquelas construções provisórias têm muito melhores condições do que as que existem nas casas de alvenaria sobreocupadas e sem condições”, onde vivem os trabalhadores agrícolas de Odemira. Para Matos Fernandes, ”até pode ser uma solução muito melhor do que muitas outras com que nos temos confrontado”.

Teleférico do Gerês será “chumbado” e lei ProSolos sairá dentro de dois meses

Questionado pelo deputado do BE, José Maria Cardoso, sobre a proposta feita pela Câmara Municipal de Terras de Bouro de construir um teleférico para ligar a vila do Gerês ao miradouro da Pedra Bela, violando as regras do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), o ministro afirmou que “o plano de ordenamento [do PNPG] é claro” e, apesar de “não conhecer o projeto”, a resposta só pode ser “negativa”.

Contudo, no que toca à construção de minas em áreas inseridas em sítios classificados da Rede Natura 2000 (para proteção de espécies e habitats), Matos Fernandes não foi tão taxativo. Lembrando que já existem minas em algumas destas áreas, frisou que “podem existir minas na Rede Natura 2000”, mas que o Governo “não” pretende construir mais.

A lei das minas recentemente publicada é bastante contestada por ambientalistas, mas também por alguns municípios que veem inviabilizado o direito de darem um parecer vinculativo. Porém, para o ministro os “projetos de interesse nacional não têm um parecer vinculativo das autarquias, como nunca tiveram na vida”. Matos Fernandes defendeu que a nova lei “dá um salto enorme no rigor e qualidade ambiental” com que será feita a prospeção e a exploração mineiras e que “não há descarbonização sem lítio”. E devolveu as críticas de “hipocrisia” aos deputados, com o argumento de que a exploração destes recursos seguirá regras ambientais mais apertadas na Europa.

O deputado do PSD, Bruno Coimbra, não poupou nas críticas sobre as obras que decorrem em várias zonas de Lisboa ou do país ignorando o problema dos solos contaminados, e no facto de o projeto de lei que visa regulamentar a transação de terrenos contaminados (o ProSolos) continuar há seis anos na gaveta. O ministro admitiu os atrasos e anunciou que “no prazo máximo de dois meses” a ProSolos será aprovada em Conselho de Ministros.

Uma questão de "propaganda"

A audição na comissão de Ambiente começou com o ministro João Pedro Matos Fernandes a publicitar os 92 milhões de euros que vão ser investidos no Nordeste Transmontano (onde ocorreu a transmissão da concessão das barragens da EDP para a Engie); os 50 milhões de euros para a requalificação de rios e ribeiras; ou os milhões do PRR para “a transição para a bioeconomia”, sobretudo para o “rejuvenescimento de setores industriais” como o têxtil e o calçado.

"Propaganda” e “greenwashing”, atirou o deputado social democrata Bruno Coimbra, apontando o dedo às falhas do Ministério do Ambiente na resolução de passivos ambientais como os da pedreira do Zambujal em Sesimbra ou dos terrenos de Vale da Rosa, em Setúbal. Já o deputado Nelson Peralta, do BE, reiterou que, independentemente dos anunciados milhões para a região nordeste transmontana, “o BE continua tranquilo com a postura de ver cobrados os 110 milhões de euros em imposto de selo” que não foram pagos pela venda de concessões. Matos Fernandes ripostou, acusando o Bloco de “querer politizar a Autoridade Tributária”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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