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O caso Zmar em 11 perguntas. Os imigrantes estão na mesma zona dos residentes? Quem contesta a requisição? O complexo está insolvente?

Proprietários de casas em protesto à porta do complexo contra a chegada dos imigrantes
Proprietários de casas em protesto à porta do complexo contra a chegada dos imigrantes
NUNO VEIGA

O tribunal deu razão aos proprietários de casas no Zmar, que desde o início protestaram contra a ordem do Governo em alojar ali 30 imigrantes que trabalhavam em plantações agrícolas, e a requisição civil fica assim suspensa. Neste 'pé de guerra' que se instalou no complexo turístico, os proprietários e até o administrador de insolvência acusam o Governo de "má fé" e de faltar à verdade em relação ao que tinha sido conversado, o que incluía a celebração de um acordo para os trabalhadores ficarem em condições pacíficas. Eis 11 perguntas e respostas para perceber melhor o cas

O que é o complexo turístico Zmar?

O Zmar Eco-Experience é um complexo turístico que nasceu no concelho de Odemira em 2009, idealizado por Francisco Mello Breyner, da família Espírito Santo, e que inicialmente detinha a totalidade do capital.

Num investimento que ascendeu a 30 milhões de euros, o projeto foi fundado há doze anos com a visão de criar no Alentejo um 'campismo de luxo' numa extensa propriedade com 81 hectares na Zambujeira do Mar, perto da praia. Além de ter serviços de alto padrão para campismo, o complexo inclui um conjunto de moradias e bungalows construídos com materiais sustentáveis, para uso misto (compra de habitação ou reserva de férias), e uma série de infraestruturas, com destaque para um spa com piscinas em fundo rosa.

O Zmar abriu como 'camping de luxo' em 2009, incluindo uma série de moradias e bungalows de uso misto, para compra ou reserva de féras
NUNO VEIGA

É proibida a circulação de carros no seu perímetro, por motivos ambientais acerrimamente defendidos pelo seu fundador. O Zmar tem recebido ao longo dos anos uma série de prémios de ecoturismo, e foram lá rodadas cenas do filme 'Morangos com Açucar', baseado na série que passou na TVI.

Quando ficou o Zmar insolvente?

O complexo turístico entrou em insolvência a 10 de março, num processo acelerado pelos impactos da pandemia. É detido pela Multiparques a Céu Aberto, que tem cerca de 420 credores, que reclamam agora créditos de mais de 40 milhões de euros. O pedido de insolvência foi acionado pela sociedade Ares Lusitani - Stc, S.A., que tem uma participação de 56,6% na empresa.

Na semana passada, foi aprovado pelo Tribunal de Odemira um plano de recuperação económica para o projeto, prevendo a manutenção dos seus 100 postos de trabalho.

Os proprietários das casas em protesto à porta do Zmar a 4 de maio, contra a chegada dos imigrantes
NUNO VEIGA

O Governo podia fazer requisição civil numa propriedade que é privada, mesmo estando em processo de insolvência?

Podia, e tal está contemplado na lei, tratando-se de um motivo por interesse público ou razões de força maior. Neste caso, o que foi alegado pelo Governo foi "a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional" da "totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes" do complexo turístico Zmar no concelho de Odemira, com vista a assegurar o "isolamento obrigatório" dos trabalhadores agrícolas na tentativa de conter o surto associado à pandemia covid-19.

O objetivo desta ação era despejar os proprietários das suas casas para alojar os emigrantes?

Não, e esse tem sido um dos principais equívocos no caso Zmar. No complexo turístico há casas vagas mais do que suficientes para alojar os trabalhadores agrícolas que precisam de estar em isolamento. O Zmar integra 278 casas, das quais 160 foram vendidas a particulares, permanecendo mais de uma centena sem ocupação. Foi em 10 destas casas que, segundo informou o complexo, foram instalados os imigrantes esta quarta-feira.

André Ventura, líder do Chega, deu o seu apoio aos proprietários das casas
NUNO VEIGA

Porém, claramente houve falhas de comunicação por parte do Governo neste processo. Apesar de formalmente a requisição abranger todos os imóveis do complexo, as casas onde os emigrantes iam ficar alojados são as que estavam sem ocupação, e não as de propriedade particular.

Os trabalhadores alojados no Zmar ficaram próximos das pessoas que ali têm as suas casas?

Não. O complexo que se estende por 81 hectares integra várias zonas e foi feito de forma a acautelar a privacidade dos visitantes ou proprietários de moradias, pelo que as casas e bungalows têm uma grande distância entre si, e numa envolvente marcada por vegetação natural. Na prática, os trabalhadores agrícolas vão estar em isolamento, e a grande distância dos proprietários de casas que estão no Zmar.

O que gerou o protesto dos proprietários de casas no Zmar?

Os proprietários do Zmar protestaram desde o primeiro momento contra a decisão do Governo em alojar os trabalhadores agrícolas no complexo, inicialmente questionando o facto de casas privadas virem a ser ocupadas com os imigrantes, o que acabou por se revelar sem fundamento.

Os proprietários estiveram em protesto à porta do complexo contra a chegada dos emigrantes, e até receberam uma visita de apoio do líder do Chega, André Ventura.

O advogado que os representa interpôs na quarta-feira uma providência cautelar em tribunal contra o decreto de requisição temporária do Zmar, adiantando que um dos pontos de contestação era o facto de o documento do Governo explicitar que dialogou com os proprietários. "Disseram que conversaram connosco antes e que nunca chegaram a acordo. Isso é mentir, nunca falaram connosco", frisou Nuno Silva Vieira à agência Lusa.

A GNR tem estado a controlar o acesso ao complexo turístico
NUNO VEIGA

Mas a aparatosa entrada da GNR para alojar os imigrantes, com cães e homens armados, na madrugada de quinta-feira, foi a gota de água que fez transbordar o copo. Na descrição dos proprietários tratou-se de "uma ocupação militar", com o complexo turístico "em estado de sítio" e o Governo a agir "de má fé". Mas o realojamento dos trabalhadores acabou por decorrer "sem incidentes" segundo a GNR, que esclareceu ter feito a operação conforme foi pedido pela Proteção Civil Municipal de Odemira, "para garantir as condições de segurança no transporte" destes cidadãos.

Além dos proprietários, havia mais entidades a contestar?

A entrada de rompante da GNR no complexo turístico na manhã de quinta-feira também foi vista como um ato "completamente despropositado" pelo administrador de insolvência do Zmar, que após esta ocorrência avançou a intenção de recorrer aos tribunais, alegando "má fé" do Governo, com quem tinha estado em conversações na véspera, e que acabou por agir de forma diferente em relação ao que tinha dito.

"Estava a ser admitida a celebração de um acordo", garantiu Pedro Pidwell, administrador da massa insolvente do complexo constituída por mais de 400 credores do complexo.

É só no Zmar que iam ficar alojados trabalhadores agrícolas na sequência do surto em Odemira?

Não. Além do Zmar, também a Pousada de Juventude em Almograve foi mobilizada para a operação de realojar os imigrantes das plantações agrícolas.

No Zmar iam ficar 30 imigrantes, e na Pousada da Juventude de Almograve mais 21, prefazendo cerca de meia centena de trabalhadores agrícolas destacados para estas unidades turísticas no concelho de Odemira, e todos eles tendo testado negativo à covid-19.

O Zmar sempre vai abrir no verão?

O processo de insolvência não obriga o complexo turístico a manter-se de portas fechadas, pelo que a decisão de abrir se prende com opções de cariz comercial. "E como o Alentejo vai estar cheio este verão, tal como esteve no ano passado, e essencialmente com portugueses, seria uma oportunidade boa para se fazer dinheiro nesta altura", nota Vítor Silva, presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo (ERTA).

A aparatosa entrada da GNR no complexo na quinta-feira gerou ainda mais atritos em relação à chegada dos imigrantes
NUNO VEIGA

Na sequência do plano de recuperação económica aprovado na semana passada, estava prevista a reabertura do complexo a 28 de maio, havendo um investidor disponível para pegar no projeto.

Segundo o advogado dos proprietários, a partir do momento em que a requisição civil foi feita, deixava de haver condições para cumprir o plano de reabertura, até porque "o investidor já não vem".

Com o volteface que agora se verificou, e os emigrantes a terem de saír do complexo, continuam em aberto as opções do complexo turístico reabrir, uma vez que tal é independente do processo de insolvência que decorre.

Há aqui um problema de política de emigração?

Há um problema de falta de política consistente de emigração - mas também um problema de discriminação, sendo o caso do Zmar um sinal claro dos anti-corpos que se podem gerar com este aumento desproporcional de imigrantes na região, a viverem sem condições, e que já são mais de metade dos residentes 'naturais'.

Tratando-se de um complexo turístico onde as casas são dirigidas à classe média-alta, a chegada súbita de imigrantes em situação de quarentena de covid não foi, naturalmente, vista com bons olhos pelos proprietários.

A opinião pessoal do responsável da entidade de turismo é que o caso Zmar veio pôr a nu a questão de fundo que se coloca na região há vários anos: "Há um problema de ordenamento do território, com a agricultura intensiva a espalhar-se no Baixo Alentejo, que se prevê aumentar três vezes", requerendo mão-de-obra que não existe na região "e para a qual seria preciso uma política de emigração que não existe em Portugal", aponta Vítor Silva.

"Se se fazem plantações intensivas debaixo de plástico por multinacionais, é preciso saber até onde se pode ir, porque a barragem de Santa Clara não é subsidiária de Alqueva", frisa Vítor Silva.

Quantos trabalhadores agrícolas imigrantes tem o concelho de Odemira?

São de momento cerca de 15 mil, num concelho com 25 mil residentes autóctones, e que não está preparado a nível de serviços para este acréscimo de carga, e sobretudo não tem capacidade de alojamento.

"Tem de haver um equilíbrio entre agricultura, turismo e ambiente, há que pensar que modelo de ordenamento queremos para o Alentejo, não vejo estudos sérios sobre isso, e espero que a visita do Presidente da República a Odemira seja um momento para desencadear uma discussão a nível nacional sobre esta questão", sustenta o presidente da entidade regional de turismo.

Enquanto não se planear bem a agricultura e a mão-de-obra que envolve, "vai haver montanhas de imigrantes na região, muitos deles a viver em telhados e sem condições", enfatiza Vítor Silva, lembrando que "o problema do Alentejo é demográfico": precisa de residentes mas sob uma estratégia concertada de emigração, que é inexistente.

"Em vez de haver aqui um equilíbrio, estamos agora a ver um conflito, e isso é que não pode ser", conclui o responsável da entidade de turismo do Alentejo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cantunes@expresso.impresa.pt

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