Um país “que não aposte no conhecimento está destinado ao fracasso”, afirmou nesta sexta-feira a cientista Elvira Fortunato, na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 2020 pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que contou também com a presença de Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri e do Grupo Impresa (dono do Expresso), e de Emílio Rui Vilar, presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
A iniciativa do Expresso, que conta com o patrocínio da CGD, vai na sua 34ª edição. O Prémio Pessoa, no valor de 60 mil euros, tem como objetivo reconhecer a atividade de portugueses com um papel de destaque na vida cultural e científica do país. O júri distinguiu “uma carreira de excecional projeção, dentro e fora do país”, e reconheceu “o contributo notável” de Elvira Fortunato para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação nacional.
“Dedico este prémio à ciência e aos cientistas, particularmente os que comigo partilham das mesmas preocupações e aspiram a fazer sempre mais e melhor”, destacou a vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa (UNL) no seu discurso. “Costumamos dizer, com muito orgulho, que temos o melhor laboratório do mundo nas áreas onde somos pioneiros, porque temos uma equipa fantástica”.
Este prémio “tem para mim um significado especial”, prosseguiu a professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, “por ter sido atribuído na área da ciência e tecnologia, face ao tempo em que vivemos onde todos podemos constatar a importância da ciência e, acima de tudo, o quão importante é investir em ciência”. E esta só progride “se soubermos partilhar e saber trabalhar em equipa para um objetivo comum”.
“O trabalho das mulheres ainda continua a ser menos valorizado”
Por outro lado, a investigadora destacou o facto de o prémio ter sido atribuído a uma mulher. “Muito embora sejamos metade da população, o trabalho das mulheres ainda continua a ser menos valorizado; basta ver que em 34 edições do prémio Pessoa, eu sou a sétima a ser distinguida”. Por isso, a cientista dedica também o prémio “a todas as mulheres que trabalham e lutam todos os dias por mais igualdade de oportunidades”.
Esta distinção constitui “um marco na minha carreira profissional e é acima de tudo o corolário de todo um percurso dedicado a uma paixão que é a investigação científica e, com a ambição de pensar sempre grande, como Pessoa nos ensinou”, enfatizou Elvira Fortunato. “O trabalho científico e tecnológico que temos feito ao longo dos anos, por vezes com bastantes dificuldades e muitos sacrifícios, tem sido reconhecido ao seu mais alto nível pelos nossos pares, pois são estes que nos podem julgar e, como sabem, a ciência e a tecnologia são globais, por isso este prémio é também para a nossa equipa”.
A investigadora sublinhou que a sua equipa tem ajudado “a colocar o nome de Portugal no mapa da ciência internacional e, com isso, criar bem-estar e prosperidade sustentada, como são os exemplos da eletrónica transparente e a eletrónica de papel, de que me orgulho de ter ajudado a criar, mas também, à minha equipa, que pensa e ambiciona alto, como eu”.
Em Portugal, “a nossa maior riqueza são as pessoas, não temos ouro, petróleo nem diamantes, mas temos um legado para deixar às novas gerações, que é o nosso saber e a forma como sabemos explorar as nossas ideias”. Assim, a diretora do centro de investigação CENIMAT/I3N, espera também “que o prémio sirva de inspiração às futuras gerações e que acima de tudo elas nunca desistam de realizar os seus sonhos”.
A cientista terminou a sua intervenção com um poema de Fernando Pessoa de que gosta muito e que está gravado numa das paredes do auditório do CENIMAT/I3N: “Para ser grande, sê inteiro: nada/Teu exagera ou exclui./Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/No mínimo que fazes./Assim em cada lago a lua toda/Brilha, porque alta vive”.
Pioneira na eletrónica de papel
Especialista em microeletrónica e optoelectrónica e engenheira de formação, Elvira Fortunato tem já uma larga lista de prémios, invenções e inovações, onde se destaca o transístor de papel. A ideia de usar o papel como um material eletrónico abriu portas, em 2016, para futuras aplicações em produtos farmacêuticos, embalagens inteligentes ou microchips recicláveis, ou até páginas de jornal ou revistas com imagens em movimento. Como resultado do seu trabalho foi criado um Laboratório Colaborativo, o Almascience, vocacionado para o papel eletrónico, que conta com o apoio da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e com uma forte participação da indústria do papel.
O trabalho pioneiro na área da eletrónica transparente, usando materiais sustentáveis e com processamento completo à temperatura ambiente, e de grande impacto na indústria eletrónica mundial, valeram-lhe o prémio Horizon Impact Award 2020, atribuído pela Comissão Europeia. Ainda no contexto europeu, Elvira Fortunato é a promotora de uma plataforma associada à eletrónica flexível que usa materiais eco-sustentáveis, facilmente recicláveis e de baixo custo.
O júri do Prémio Pessoa 2020 é constituído por Francisco Pinto Balsemão (presidente), Emílio Rui Vilar (vice-presidente), Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques.