Filipe queria proteger uma árvore da “amputação” e acabou detido pela polícia em Oeiras
D.R.
A polémica poda de árvores já levou à detenção de um cidadão em Oeiras, por tentar travar as motosserras. O presidente da autarquia, Isaltino Morais, defende a sua forma de podar árvores, alheio ao que dizem os especialistas
Filipe Dâmaso Saraiva “queria tentar impedir uma poda drástica” das árvores que existem em frente à sua casa, em Paço de Arcos. Tinha visto os papéis fixados nas árvores na véspera e, sem resposta em tempo útil ao email que enviara para a Câmara Municipal, decidiu colocar-se, com a companheira e algumas vizinhas, junto das árvores que existem em frente ao prédio onde vive, para impedir os trabalhadores da Câmara de Oeiras de avançarem com a poda. Quando a polícia chegou, Filipe manteve-se junto de uma das árvores sem arredar pé. Acabou detido pela PSP, algemado e levado para a esquadra.
Duas horas depois era informado de que incorrera no “crime de desobediência”, o que, segundo o artigo 348.º do Código Penal, pode ser punível com pena de prisão até um ano remissível em trabalho comunitário ou multa. Agora está com termo de identidade e residência a aguardar a decisão final.
O empresário de 41 anos, que gere uma pequena empresa familiar ligada à alimentação de bebés e que se dedica a ações de plantação voluntária de árvores, conta ao Expresso que “nunca tinha tomado uma decisão tão radical”. Porém, as árvores da sua rua (de uma espécie popularmente conhecidas como ficus ou figueira-benjamim) fazem parte do seu “quotidiano” e não quer vê-las desaparecer. “Estas árvores são minhas vizinhas e sou sensível à sua saúde e bem estar”, justifica. E mostra fotografias das suas imensas copas verdes, agora extintas. Dos ficus frondosos restam os troncos principais e uns braços amputados.
“Isto é um estado de direito e as pessoas não podem fazer o que querem”, reage Isaltino Morais quando questionado pelo Expresso sobre o que acha da situação de um munícipe ser detido por protestar pacificamente em frente a uma árvore. Acossado pelas questões levantadas pelo Expresso atira ainda a quem o ataca: “São falsos ambientalistas ou movimentos políticos em tempo de eleições”. E diz: “se há munícipes descontentes, que reclamem pelas vias próprias”.
Filipe e a companheira, Cláudia Silva, respondem: “Somos apenas cidadãos preocupados com o ambiente que nos rodeia e com a qualidade de vida na zona onde vivemos e não estamos ligados a qualquer partido”. Como o panfleto colado nas árvores a alertar para a “poda a talão” tinha sido colocado na véspera, o requerimento que entretanto tinham enviado por email para a Câmara, assinado por mais de uma dúzia de moradores, não teria resposta em tempo útil. Por isso, avançaram para a ação direta de se colocarem debaixo da árvore para tentar travar as motosserras. A ação acabou por valer a Filipe uma detenção à porta de casa.
Isaltino, o podador
As podas a talão ou "de rolagem" de árvores em Oeiras têm levantado grande polémica nos últimos anos, em parte porque o próprio presidente da Câmara, Isaltino Morais, se afirma como um conhecedor do ofício, mesmo indo contra aquilo que os arquitetos paisagistas dizem vir nos manuais.
Ainda em fevereiro de 2018, durante um dos seus passeios pelo concelho, foi apanhado pela câmara da SIC a virar-se para o chefe de serviço da divisão de Espaços Verdes, ralhando-lhe: “Não é nada disso, não é nada disso... cortando por baixo forma uma copa redonda”. O seu gosto pelo desbaste de ramos e troncos valeu-lhe a alcunha de “Isaltino, Mãos de Tesoura” nas redes sociais.
O autarca contra-ataca, alegando que quem o critica ou acusa de amputar árvores “é ignorante e não percebe nada disto” ou que “está ligado a interesses partidários em tempo de eleições”. E retorque: “Conheço todas as árvores que são abatidas no meu concelho. Sei que por cada uma plantamos 50, e que 90% das árvores do concelho fui eu que mandei plantar e que somos o município com mais área verde do país”.
Plátanos podados na Praceta Dionísio Matias, em Paço de Arcos
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Porém, Isaltino Morais admite que o município não tem um regulamento que estabeleça como se devem fazer podas. “Não há regulamento, mas há regras”, diz. Entre estas está a de “se fazer podas preferencialmente no outono e no inverno”. Contudo, diz, “as de talão podem-se fazer todo o ano” e é assim que se faz em Viena ou Bruxelas". Foi assim que avançou a “amputação” de vários plátanos com mais de 50 anos num jardim no centro de Paço de Arcos, levando à indignação de vários munícipes.
Já o autarca indigna-se com o termo “amputação”. Contudo, este conceito ou o de “decapitação” são usados por especialistas em arvoredo urbano. “Quando se faz um corte radical dos ramos e das pernadas de uma árvore, decapitando-a ou rolando-a, reduzindo de forma violenta a sua copa, todo o sistema de reservas energéticas da árvores será irreversivelmente alterado”, alertam as investigadoras do Instituto Superior de Agronomia, Ana Paula Ramos e Maria Filomena Caetano, num artigo científico publicado em 2017. Lembram que este tipo de cortes leva à "perda de capacidade para manter o funcionamento e o crescimento das raízes“ e que, apesar de a rebentação poder ser intensa na primavera seguinte, “encarecem a manutenção das árvores“.
Em municípios como o de Lisboa, o regulamento de gestão do arvoredo indica que a redução de ramos e pernadas deve ser feita “sem alterar a forma da copa“ e que “a eliminação de ramos e raminhos não deverá suprimir mais de 30% da massa foliar existente”. Já o de Lousada é mais completo e lembra que “deverá sempre optar-se por podas ligeiras metódicas e criteriosas de acordo com as necessidades individuais da árvore e sua interação com o espaço envolvente, em vez de podas profundas”, além de que “as podas só devem ocorrer quando haja perigo potencial e comprovado de o arvoredo existente afetar negativamente e irreversivelmente a sua envolvência, nomeadamente ao colocar em causa a saúde e segurança de pessoas”.
Isaltino Morais tanto garante que “as podas têm de ser feitas por questões de segurança”, como dá a entender que basta um munícipe queixar-se ao Presidente de alergias ou que uma árvore lhe tira Sol ou os seus troncos lhe chegam à janela, para as motosserras deixarem as árvores desmembradas. Certo é que, dos plátanos ou dos ficus podados esta Primavera, em Oeiras, pouco mais sobrou do que o tronco.