Sociedade

Mais de 17 mil profissionais de saúde já morreram com covid em todo o mundo. Muitos sofreram represálias por pedir equipamentos de proteção

Mais de 17 mil profissionais de saúde já morreram com covid em todo o mundo. Muitos sofreram represálias por pedir equipamentos de proteção
TIAGO PETINGA

Novo relatório da Amnistia Internacional conclui que, durante a pandemia, muitos médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde não tiveram acesso aos adequados meios de proteção. "Puseram as suas vidas em risco para tentar manter as pessoas protegidas contra a infeção, mas muitos pagaram o preço final"

Pelo menos 17 mil médicos, enfermeiros e outros trabalhadores ligados à saúde morreram em 2020 com covid-19, revela um relatório da Amnistia Internacional, dos Serviços Públicos Internacionais (PSI) e da União Global (UNI), que apelam a uma ação urgente por parte das autoridades nacionais no sentido de acelerar a vacinação junto de milhões de profissionais de saúde que em todo o mundo têm estado na linha de frente no combate à pandemia.

O aviso da Amnistia veio também colocar a nu as desigualdades globais no acesso às vacinas, que continuam a aumentar. Mais de metade das doses mundiais até agora disponibilizadas foram administradas em apenas 10 países 'ricos', que representam menos de 10% da população mundial, enquanto mais de 100 países ainda não vacinaram qualquer pessoa, denuncia o relatório.

Muitos dos países mais pobres deverão receber os primeiros lotes de vacinas nas próximas semanas e meses. As organizações pediram aos governos que incluíssem todos os profissionais de saúde da linha de frente dos planos de vacinação, incluindo os que são mais frequentemente ignorados na situação da pandemia, como trabalhadores de limpeza, agentes comunitários de saúde e assistentes sociais, mas que são essenciais para salvar vidas e proporcionar condições de trabalho seguras.

"Um trabalhador de saúde morrer de covid-19 a cada 30 minutos é uma tragédia e uma injustiça. Profissionais de saúde em todo o mundo puseram as suas vidas em risco para tentar manter as pessoas protegidas contra a infeção, mas muitos foram deixados desprotegidos e pagaram o preço final ", salienta Steve Cockburn, diretor de Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional, deixando claro que "os governos devem garantir que todos os profissionais de saúde, em todos os lugares, estejam protegidos contra a covid-19".

Em Portugal, cerca de 28 mil profissionais de saúde ficaram infetados desde o início da pandemia de covid-19, dos quais 19 morreram e mais de 16 mil recuperaram, segundo dados recentemente divulgados pela Direção Geral de Saúde (DGS). Metade das mortes dos profissionais de saúde no país devido à infeção ocorreram em fevereiro (nove), após se terem registado em janeiro seis vítimas mortais.

Segundo a Amnistia Internacional, tendo arriscado as suas vidas durante a pandemia, é hora de os profissionais de saúde serem incluídos nos grupos prioritários no acesso às vacinas, defendendo, ainda, a organização, que devem ser tomadas "ações urgentes" no sentido de "eliminar as enormes desigualdades globais" no acesso ao imunizante, garantindo que um médico ou um enfermeiro no Peru seja tão protegido quanto um profissional de saúde no Reino Unido.

"Foram analisados os dados disponíveis publicados por governos, sindicatos, média e organizações da sociedade civil em mais de 80 países, mas esses números provavelmente estão subestimados, porque muitos governos não reportaram dados oficiais, ou fizeram-no apenas parcialmente", constata o relatório da Amnistia Internacional, dando conta que os profissionais de saúde têm atuado, em muitos casos, em "condições de trabalho inseguras" devido à falta de equipamento de proteção individual (EPI) durante a pandemia, sobretudo nas fases iniciais.

Técnicos de limpeza, auxiliares de saúde e de lares devem ser prioritários nos planos de vacinação

Em julho de 2020, a falta de equipamentos de proteção adequados para os profissionais de saúde já tinha sido identificada num relatório da Amnistia Internacional, em quase todos os 63 países monitorizados. O relatório dá conta que em alguns países, como Malásia, México ou Estados Unidos, técnicos de limpeza, auxiliares de saúde e assistentes sociais sofreram represálias, incluindo demissão, após exigirem equipamentos de proteção individual e condições seguras de trabalho.

Pelo menos 1.576 profissionais de saúde morreram até agora nos Estados Unidos com covid-19, e no Reino Unido faleceram no ano passado 494 assistentes sociais com a infeção, segundo aponta o relatório da Amnistia, que sublinha: "aqueles que trabalhavam em lares de idosos e cuidados comunitários tinham três vezes mais probabilidade de morrer com covid-19 do que a população trabalhadora em geral".

As equipas de assistência social que trabalham em regime temporário em instalações com menor proporção de pessoal por doentes acamados mostram ter taxas mais altas de infeção e morte por covid, segundo um relatório recente da Unicare, que integra a UNI Global Union.

"Essas mortes são horríveis, catastróficas, e refletem apenas uma fração dos custos reais da pandemia para os profissionais de saúde em todo o mundo", frisou Christy Hoffman, secretária geral da UNI Global Union, lembrando que "um vírus não faz distinção entre um cirurgião e um trabalhador de lares ou assistente de cuidados domiciliários, que são trabalhadores igualmente expostos à covid-19, e devem ser prioritários nos planos de vacinação, além da abordagem ao nível de equipamentos de proteção e protocolos de segurança".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cantunes@expresso.impresa.pt

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