
Comparativamente aos últimos cinco anos, em 2020 aumentaram mais as mortes em casa do que nos hospitais. O ano passado contou com um aumento de 2% de mortes fora de instituições de saúde
Comparativamente aos últimos cinco anos, em 2020 aumentaram mais as mortes em casa do que nos hospitais. O ano passado contou com um aumento de 2% de mortes fora de instituições de saúde
Jornalista
Em 2020, a pandemia veio aumentar a mortalidade tanto em meio hospitalar como fora dele, mas o acréscimo foi superior para as mortes no domicílio (mais 6897) do que para as que se deram em meio hospitalar (mais 5381). No balanço do ano, os dados fornecidos pelo INE ao Expresso acusam uma subida de dois pontos percentuais para as mortes em casa face às que se deram em meio hospital, em comparação com os cinco anos anteriores — de 37,4% passaram a representar 39,3%.
Os números não surpreendem João Araújo Correia. O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e diretor do serviço de Medicina Interna do Hospital de Santo António, no Porto, já se tinha apercebido na prática clínica de que este era um fenómeno dos doentes com doença crónica, muitas vezes idosos, que principalmente nos primeiros meses de pandemia deixaram de se deslocar tanto aos hospitais e centros de saúde na presença de sintomas por medo de poderem ser infetados com covid-19. De facto, números apresentados pela Ordem dos Médicos mostram que entre 1 de março e 22 de abril de 2020 houve menos quase 200 mil doentes com pulseira vermelha nas urgências, menos cerca de 30 mil com pulseira laranja e menos 160 mil com pulseira amarela. Tendo como referência a mortalidade nas 24 a 48 horas após a admissão nos hospitais antes da pandemia, estas quebras correspondem a um potencial de pelo menos 1291 mortes hospitalares só neste período.
O ano 2021 arrancou com uma subida enorme de mortalidade, com mais de 19 mil óbitos, que não deixou de se pronunciar também nas mortes no domicílio. Só nas primeiras cinco semanas do ano morreram fora do meio hospitalar 2348 pessoas a mais do que a média de 2015 a 2019. Só que neste caso, por ter sido um janeiro atípico em números de mortalidade, o aumento de óbitos ocorridos em meio hospitalar foi ainda superior — mais 5410 — e passaram de representar 61,2% para 64,3%.
Portugal tem vindo nos últimos anos a reduzir a mortalidade em casa, o que não é acompanhado por outros países europeus. Morrer em casa só é grave quando há potencial de salvar uma vida. “No primeiro confinamento houve um medo excessivo e as pessoas evitavam muito ir às unidades de saúde”, testemunha Vasco Ricoca Peixoto, investigador da Escola Nacional de Saúde Pública. Vítor Gil, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, garante que a redução em 30% de cirurgias ao tipo mais grave de enfarte do miocárdio espelha uma possível relação direta com o excesso de mortalidade no domicílio. “Ainda hoje há uma hesitação e quanto maior o confinamento, maior a hesitação, apesar das muitas mensagens tranquilizadoras”. É visível uma tendência para desvalorizar sintomas, o que pode ser particularmente consequente na população mais idosa com múltiplas patologias. E foi essa a população mais afetada, a representar mais de 70% das mortes entre março de 2020 e final de janeiro de 2021.
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