Sociedade

Sectores mais afetados pela pandemia são os que têm os trabalhadores mais vulneráveis, conclui relatório “Portugal: Balanço Social 2020”

Sectores mais afetados pela pandemia são os que têm os trabalhadores mais vulneráveis, conclui relatório “Portugal: Balanço Social 2020”
Rui Duarte Silva

Salários mais baixos, trabalhadores menos qualificados e maior percentagem de estrangeiros caracterizam sectores como a restauração e o alojamento, profundamente afetados pela pandemia, como conclui o relatório “Portugal: Balanço Social 2020”

Os sectores económicos mais afetados pela crise pandémica, como a restauração ou o alojamento, têm salários mais baixos, trabalhadores com menos qualificações, maior percentagem de estrangeiros e, por serem atividades que não podem ser feitas em em teletrabalho, foram dos que mais recorreram ao lay-off. Tudo isso leva a concluir que os trabalhadores que já eram mais vulneráveis foram os mais afetados pela pandemia, como refere o relatório “Portugal: Balanço Social 2020”, da NOVA SBE, Fundação “la Caixa” e BPI, divulgado esta quarta-feira.

Os sectores em lay-off quase total têm uma percentagem elevada de trabalhadores com baixos salários e cuja ocupação não pode ser realizada em teletrabalho. Portanto, a quebra de rendimento devida ao lay-off atingiu de forma desproporcional as pessoas com salários mais baixos”, explica o relatório elaborado por Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves, do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center.

Restauração, venda de artigos de moda e acessórios, transporte de passageiros e alojamento turístico foram os sectores económicos com maiores quedas no volume de vendas entre abril de 2019 e abril de 2020, segundo os dados da SIBS Analytics, citados no relatório. Só na restauração a queda foi superior a 85% e no alojamento chegou aos 97%.

Estes sectores têm quase o dobro da percentagem de contratos de termo certo em comparação com a média nacional, segundo os Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

A restauração, em particular, tem mais de 60% de trabalhadores com baixas qualificações. No alojamento turístico, a percentagem de trabalhadores estrangeiros “é duas vezes superior à média” e na restauração é três vezes mais alta. Existe também uma prevalência de baixos salários, sobretudo nos sectores da restauração e da moda e acessórios, onde 80% e 60% dos trabalhadores, respetivamente, recebem salários abaixo do salário mediano a nível nacional”, lê-se no relatório.

“Todos os dados indicam que esta crise tem estado a bater principalmente nas camadas mais frágeis, desde logo nos mais jovens, que têm relações menos estáveis com o mercado de trabalho, mas também pessoas sem Ensino Superior, com salários mais baixos e com relações contratuais com termo certo”, afirma Susana Peralta. “Não quer isto dizer que não haja pessoas de outros estratos sociais que não estejam a sentir também os efeitos da pandemia”, ressalva

Impactos desiguais

Há outros sectores que recorreram pouco ao lay-off por razões distintas. Uns são serviços essenciais, como limpezas, fábricas alimentares ou recolha de resíduos, que se mantiveram a funcionar por não poderem ser exercidos em teletrabalho. Maioritariamente, são abrangidos por baixos salários. “São sectores que não puderam ficar em teletrabalho e portanto estes trabalhadores, apesar de não terem perdido rendimentos, também não puderam confirnar-se e proteger a sua saúde”, refere Susana Peralta.

Por outro lado, há outros sectores que recorreram menos ao lay-off porque as suas atividades puderam ser feitas a partir de casa. É o caso de profissões mais qualificadas e técnicas, normalmente com salários mais elevados. “Estas pessoas são as mais poupadas à crise, tanto na sua dimensão sanitária como económica”, apontam os investigadores, frisando ser clara uma relação crescente entre a capacidade de trabalhar de casa e o salário médio de cada ocupação.

Além da redução de rendimentos, a crise sanitária e as medidas restritivas tiveram outros impactos desiguais na população. O relatório frisa como a pandemia “afetou particularmente” a saúde mental dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados. Ao mesmo tempo, o encerramento das escolas e a substituição das aulas presenciais pelo ensino à distância também afetaram “de forma mais negativa” os alunos de famílias mais pobres.

Em Portugal, as crianças continuam a ser um dos grupos mais vulneráveis à pobreza e a escolaridade desempenha um “papel importante na redução da transmissão intergeracional” das condições económicas. “As crianças mais pobres têm menor acesso à educação pré-escolar e têm piores resultados, tanto nas notas internas, como nas classificações obtidas em provas nacionais centralizadas (exames e provas de aferição) durante o ensino obrigatório”, refere o relatório, alertando para como a educação é um “determinante importante da desigualdade”.

O relatório refere ainda que, em resultado da pandemia, o nível de endividamento das empresas e das famílias voltou a crescer e medidas como as moratórias públicas “contribuíram para mitigar um aumento de devedores em incumprimento”. Só quando o Instituto Nacional de Estatística divulgar os dados da pobreza relativos a 2020 é que será possível medir ao certo o impacto da pandemia nas condições económicas da população.

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