Entre os diferentes retratos de como a situação epidemiológica evoluiu em Portugal ao longo do último ano, o indicador mais vezes repetido pelos matemáticos ouvidos esta quarta-feira no Parlamento foi o indicador de transmissibilidade, o Rt, que mede o número de pessoas que cada infetado contagia. Os especialistas frisaram a importância de o indicador continuar a ser monitorizado com rigor e usado como forma de antecipar um agravamento na fase de desconfinamento: chegar a 1,1 deve ser entendido como “sinal de alarme”.
“Quando o Rt chega a 1,2 já é demasiado tarde para intervir. Se queremos dominar, não podemos deixar o Rt chegar a 1,2. Depois é muito difícil de controlar”, referiu Jorge Buescu, professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), na comissão para acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia. “Se atingir 1,2 muito provavelmente não vamos a tempo de evitar uma nova vaga. É uma lição que temos de tirar.”
O valor de referência de 1,1 tinha sido também referido por Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da FCUL, na penúltima reunião do Infarmed, como uma das três linhas vermelhas a ter em conta na monitorização da pandemia. Carlos Antunes, também da FCUL, foi ouvido no Parlamento e referiu o Rt como um “indicador extremamente importante”, embora considere “fundamental” combinar indicadores.
Além do Rt, também o número de novos casos diários, a taxa de testes positivos e a ocupação hospitalar devem ser tidos em conta na definição do nível de risco de cada momento, sugeriu Carlos Antunes. Mas ao escolher os indicadores é preciso ter a garantia de que eles podem ser atualizados todos os dias, o que impede uma leitura muito fina a nível local porque nem todos os indicadores existem com a atualização necessária por concelho.
A par da combinação de indicadores, importa olhar para um aumento da testagem, ”feita com critérios epidemiológicos”, referiu o professor da FCUL, e a capacidade de rastrear contactos. João Seixas, professor do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST), realçou o “problema de testagem e de rastreio” em Portugal, defendendo uma aposta na capacidade de rastrear contactos, que é o ponto-chave, ainda a montante, para controlar o número de novos casos, como vem a ser sublinhado há já um ano.
“Com mil rastreadores, podem ser feito no máximo seis mil inquéritos epidemiológicos por dia”, referiu Carlos Antunes, lembrando os milhares de inquéritos que estiveram em atraso nos últimos meses. Outros dos problemas atuais, e referidos por mais do que um vez, é a falta de dados sobre o local de contágio, identificado numa minoria dos casos.
Entre as restantes chamadas de atenção feitas pelos quatro matemáticos, está o aumento da letalidade nesta última vaga. Henrique Oliveira, professor do Departamento de Matemática do IST, sublinhou as diferenças nos níveis de letalidade entre as várias regiões, com o Alentejo a registar o valor mais alto (12%). “No Norte, a letalidade é muito baixa. Estes assuntos têm de ser estudados no futuro e temos de perceber o que funciona mal nas regiões de saúde.”
O outro alerta foi para o aumento da letalidade na fase em que as unidades de cuidados intensivos (UCI) atingiram o número de doentes mais elevado. Carlos Antunes lembrou que “a taxa de sucesso das UCI é inversamente proporcional à disponibilidade de camas”, o que significa que quando se bate no máximo de camas ocupadas a letalidade aumenta. O rácio entre os dois indicadores - óbitos e camas ocupadas - mais do que duplicou entre o Natal e o mês de fevereiro.
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