Morreram mais de 19 mil pessoas em janeiro deste ano e é preciso recuar à segunda vaga da gripe pneumónica para encontrar um número mais alto
Os meses de janeiro estão historicamente associados a picos de mortalidade, mas nunca, em mais de um século, houve um janeiro como este. Morreram 19.628 pessoas, quase duas vezes mais do que a média desde 1901, segundo a recolha de dados feita pelo Expresso a partir das publicações históricas do Instituto Nacional de Estatística (INE). Se olharmos para a mortalidade registada em todos os restantes meses então é preciso recuar até novembro de 1918 para encontrar uma altura em que o número de óbitos tenha sido mais alto. Vivia-se, nesse inverno, a segunda onda da gripe pneumónica, a pior das três vagas da pandemia que tinha chegado a Portugal em maio. Morreram 47 mil pessoas nesse mês de novembro. A dimensão e o peso dessa mortalidade estão muito além da pandemia de covid-19, mas os demógrafos acreditam que a comparação expõe a fragilidade e a gravidade da situação atual.
“Parece que recuámos uma página. Falar hoje da importância de lavar as mãos faz lembrar o tempo em que a preocupação com a higiene representou uma mudança muito importante, como aconteceu no século XIX. Com o desenvolvimento do conhecimento científico, das vacinas ou da penicilina, a mortalidade diminuiu e as doenças transmissíveis deixaram de ser tão importantes, enquanto que as não transmissíveis, como o cancro, passaram a ser as grandes questões”, explica Maria João Valente Rosa, demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH). “Só que, de certa forma, estamos a voltar aos grandes terrores dos tempos em que os agentes externos eram muito importantes para a morte de uma pessoa. Achámos que isso tinha sido simplesmente ultrapassado.”
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