Morte no aeroporto: arranca julgamento dos três suspeitos da morte de Ihor
Primeira sessão do julgamento da morte de Ihor Homeniuk no aeroporto. Inspector Duarte Laja com advogado Ricardo Serrano Vieira
Nuno Botelho
Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva dizem-se inocentes e garantem ter usado apenas 'a força muscular estritamente necessária'. Recorde o caso em quatro peças chave
Os três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados da morte de Ihor Homeniuk começam esta terça-feira a ser julgados no Campus da Justiça, em Lisboa. Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva dizem-se inocentes e garantem ter usado apenas 'a força muscular estritamente necessária'. Recorde o caso em quatro peças chave.
Morte no aeroporto: espancamento de Ihor durou 20 minutos, agonia prolongou-se por quase nove horas
Ihor Hameniuk chegou a Portugal no dia 10 de março e foi impedido de entrar em território nacional porque terá dito que queria trabalhar e não tinha visto para tal. Mas segundo a acusação do Ministério Público, a que o Expresso teve acesso, a entrevista ao imigrante ucraniano foi feita por um inspetor que não falava a língua e por uma colega que fala ucraniano mas não está habilitada para fazer traduções. Por isso, o procurador Óscar Ferreira considera que existem "sérias dúvidas" de que Ihor tenha de facto dito que vinha trabalhar. Os ucranianos que visitem Portugal não precisam de visto. Por causa da recusa em entrar em Portugal, e já depois de ter sido levado ao hospital por causa de um falso ataque epiléptico que se seguiu a uma queda, os acontecimentos precipitaram-se.
Depois de ter regressado do hospital, "sem que tenha sido estabelecido qualquer contacto com a embaixada" no sentido de prestar "assistência médica e jurídica ao imigrante", Ihor recusou-se a apanhar um avião de volta a Istambul, de onde tinha vindo. Foi para o Centro de Acolhimento Temporário do SEF e aí, depois dos avisos dos seguranças da Prestibel "e de outros imigrantes" por causa do "comportamento agitado" de Ihor, este foi algemado por inspetores do SEF e isolado na sala Médicos do Mundo. Foram-lhe administrados calmantes e as agressões começaram aí. Segundo o Ministério Público, os inspetores do SEF Laja, Sousa e Silva foram àquela sala, às 8h15 de 12 de março de 2020, e exigiram à segurança que não registasse a presença deles. De acordo com a acusação houve pontapés, socos e agressões com um bastão extensível.
Mais de oito horas depois, às 16h43, dois inspetores do SEF foram à sala para tentar que Ihor embarcasse noutro voo. Encontraram-no sem reação. "Decorridas algumas horas", o INEM foi chamado e o óbito declarado às 18h40. A causa foi atribuída a "uma paragem respiratória presenciada após crise convulsiva". A autópsia revelou que Ihor morreu por causa de inúmeras lesões traumáticas e hemorragias internas "provocadas pelas agressões" dos três inspetores. O facto de estar algemado terá provocado a asfixia que o matou.
Às oito da manhã de 12 de março, na mudança de turno dos seguranças e dos inspetores, o responsável da Prestibel recebeu a informação de que um dos seus homens, Paulo Marcelo, tinha sido agredido por Ihor “com um sofá” e tinha ficado a coxear. Avisou o coordenador do SEF, que pediu a um subordinado que averiguasse a situação. “Por acaso”, foram designados para essa missão os inspetores Laja, Silva e Sousa, os três acusados pelo homicídio, que tinham acabado de entrar ao serviço. Segundo a investigação da IGAI e do Ministério Público, os três decidiram “vingar” a suposta agressão de Ihor ao segurança através de socos, pontapés e bastonadas. Durante 20 minutos espancaram o imigrante, que acabou por morrer nove horas depois, na sequência dos ferimentos e pelo facto de estar algemado.
Mas, afinal, Ihor nunca bateu em ninguém. Quando foi ouvido, o segurança Paulo Marcelo negou ter sido agredido.
Ihor Homeniuk aterrou em Portugal às 11h de 10 de março. Morreu às 18h40 do dia 12
A morte de Ihor às mãos do SEF. Os suspeitos e momentos-chave
Tudo correu mal desde que Ihor Homeniuk aterrou em Lisboa, às 11h de 10 de março, vindo de Istambul. A IGAI diz que a sua retenção foi ilegal, assim como o facto de não ter tido direito a tradutor ou advogado. Alguns inspetores do SEF e a técnica da farmácia do aeroporto não garantiram a Ihor o medicamento para a abstinência alcoólica, o que lhe provocou tremores, ansiedade e movimentos repetitivos.
Depois de agredido, foi deixado imobilizado com algemas atrás das costas e com fitas a negar-lhe o movimento das pernas e dos braços. Estava no chão, sem vigilância. Não foi visível qualquer preocupação por parte dos vigilantes e inspetores quanto ao seu estado de saúde. Nem sequer para este ir à casa de banho, apesar de estar urinado. A isso juntou-se o atraso no socorro. O médico João Jorge, que chegou ao local numa ambulância do Hospital de Santa Maria, disse a uma médica daquele hospital que Ihor teria tido uma crise convulsiva e aspiração de vómitos antes da paragem cardiorrespiratória. As manobras de reanimação falharam e Ihor morreu às 18h40 do dia 12. A IGAI acabaria por fazer uma participação à Ordem dos Médicos para esta apurar as responsabilidades daquele clínico. A falta de articulação entre a equipa de socorro da Cruz Vermelha e o oficial de segurança do aeroporto atrasou em 15 minutos a prestação de auxílio a Ihor.
Os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados de matarem o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk na Sala dos Médicos do Mundo, no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, dizem-se inocentes e apontam o dedo aos seguranças da Prestibel que vigiavam a sala onde se encontrava retido o imigrante. Também o relatório da autópsia da vítima que indicou que se tratava de um homicídio é arrasado pelas defesas dos dois arguidos. Serão esses alguns dos principais trunfos que irão apresentar esta terça-feira, no Juízo Central Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, perante o juiz Rui Coelho.