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Se todos consumissem recursos como os portugueses, seriam necessários 2,5 planetas para habitarmos

Se todos consumissem recursos como os portugueses, seriam necessários 2,5 planetas para habitarmos
Digital Vision/Getty Images

O diagnóstico mantém-se negro para a biodiversidade e para a humanidade a nível global. O Relatório Planeta Vivo 2020, da World Wildlife Found (WWF), revela que nos últimos 50 anos se perderam 68% das populações monitorizadas de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes. A Associação Natureza Portugal, parceira da WWF, sublinha que “é inequivocamente necessário um ‘Novo Acordo para a Natureza e para as Pessoas’”. E lembra que a pegada ecológica nacional aumentou substancialmente mais do que a global

Se todos consumissem recursos como os portugueses, seriam necessários 2,5 planetas para habitarmos

Carla Tomás

Jornalista

Para satisfazer as “necessidades” de consumo generalizado dos cerca de sete mil milhões de habitantes da Terra — e não podendo esta regenerar esses recursos com a mesma rapidez com que são explorados — parece ser necessário esticar o planeta para 1,6 Terras. Já no caso de Portugal, a pegada ecológica ainda é maior do que a da média global, exigindo “o equivalente a 2,5 planetas ao ano para dar resposta às necessidades de consumo”. Em 2018, a exigência seria um pouco menor: 2,3 planetas.

Estes números constam do Relatório Planeta Vivo 2020, apresentado esta quarta-feira numa videoconferência organizada pela ANP|WWF, e dizem respeito a dados da evolução registada nos últimos 50 anos. “A pegada ecológica per capita em Portugal aumentou significativamente entre o relatório de 2018 e o de 2020 e posiciona o país no 46.º lugar a nível mundial, com 4,1 hectares de terra necessários por pessoa, enquanto que há dois anos, aparecia em 66º. Esta realidade “está relacionada com o crescimento do consumo e do turismo, associados ao crescimento da economia nacional depois da crise económica” e antes da chegada da pandemia de covid 19, esclarece Catarina Grilo, diretora de conservação da ANP/WWF, .

A liderar o ranking do pior desempenho ambiental está o Qatar. E países como os Estados Unidos, Austrália, Canadá, França, Itália, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica, Suíça e Alemanha revelam “pegadas” superiores à portuguesa.


68% das populações de animais selvagens em declínio

O 13º Relatório Planeta Vivo da WWF, agora divulgado, revela também que se regista um declínio médio de 68% nas cerca de 20 mil populações de 4.392 espécies de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios, monitorizadas em todo o mundo entre 1970 e 2016. As taxas de declínio variam de região para região do planeta, sendo mais acentuada nos trópicos, com a América do Sul e Central a revelar perdas de 94%, seguida de África (65%) e da região da Ásia- Pacífico (45%). Já a América do Norte apresenta um declínio de 33% e a Europa e a Ásia Central de 24%.

“Melhorámos a nossa qualidade de vida nos últimos 50 anos, mas assistimos a um crescimento das ameaças contra a natureza e consequente perda de espécies e de habitats”, frisa Catarina Grilo. E as principais causas desta perda estão associadas à perda e degradação de habitat, incluindo a desflorestação e a alteração de usos do solo, impulsionada pela forma produzimos e consumimos alimentos, água e emitimos gases de efeito de estufa, com impactos não só na natureza como na vida humana.

“O nosso planeta está a enviar-nos sinais de alerta. O declínio grave da vida selvagem é um indicador de que a natureza está a desaparecer com graves consequência para a saúde humana”, avisa Ângela Morgado. A diretora executiva da ANP|WWF, sublinha “a necessidade de termos um Novo Acordo pela Natureza e as Pessoas, já que dependemos da natureza para o nosso bem estar, como demonstra a pandemia de covid19”. Por isso, espera que “Portugal tenha um papel importante na definição de metas para defender a biodiversidade” enquanto país que vai presidir à União Europeia no primeiro semestre de 2021.

“No meio de uma pandemia global é mais importante que nunca iniciar uma ação global coordenada e sem precedentes para até 2030 haver zero perda de habitats, zero extinção de espécies e populações de vida selvagem em todo o mundo, e reduzir para metade a nossa pegada ecológica. A nossa própria sobrevivência cada vez depende mais disso”, reitera.

A ANP/WWF defende que os compromissos indicados nesta proposta de acordo devem ser seguidos por cidadãos, empresas e governos, Entre estes constam a aposta no consumo de carne produzida em pastagens inseridas em sistemas agro-silvopastoris, como o montado Português, ou de alimentos produzidos de forma sustentável e que valorizem os serviços dos ecossistemas, em terra ou no mar. A escolha de produtos provenientes de florestas com gestão certificada e a recusa de produtos de plástico descartável (como pratos, copos ou talheres de uso único) também estão incluídos no acordo.

“O desafio é para já”, diz ministra da Agricultura

Presente na apresentação do relatório, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, anunciou que, na próxima sexta-feira, vai ser apresentada a Agenda da Agricultura para a próxima década, lembrando que “o desafio lançado pela estratégia europeia “Do Prado ao Prato” é para já e não para daqui a 10 anos”. A aposta, sublinhou, é a de “evitar a perda de solo e o desperdício alimentar”, prevendo que o ministério que tutela “quer reforçar o contributo para proteger a biodiversidade”.

Por sua vez o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, elogiou “o trabalho válido da WWF” e, numa mensagem vídeo, confiou que “com boa governação e o apoio da sociedade é possível a recuperação da população de mamíferos marinhos. Mas é uma luta sem tréguas”.

Já o ministro do Ambiente e das Alterações Climáticas não compareceu e enviou um técnico da secretaria de Estado da Conservação da Natureza e do Ordenamento do Território. Eduardo Carqueijeiro referiu que estão previstos 1,2 mil milhões de euros de vários fundos portugueses e europeus para se poder recuperar habitats, restaurar ecossistemas e eliminar ameaças à biodiversidade entre 2021 e 2027.

Dentro de uma semana realiza-se a 75ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, onde os líderes mundiais deverão analisar o progresso feito nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Acordo de Paris e na Convenção da Diversidade Biológica e definir o quadro de ação pós-2020 para a biodiversidade global.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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