O PAN denunciou a morte de dezenas de animais em dois abrigos atingidos pelas chamas na noite de sábado, localizados em Santo Tirso. Inês Sousa Real confirma ao Expresso que o partido vai chamar Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, ao parlamento para prestar esclarecimentos.
A denúncia foi feita na manhã de domingo na página oficial do partido no Facebook, referindo que estava a acompanhar a situação no local e acusando as autoridades de estarem a dificultar a retirada dos animais ainda com vida dos abrigos, "alegando tratar-se de propriedade privada". Também informou que "foi já solicitada, com caráter de urgência, a emissão de mandado judicial que permita o acesso aos abrigos e a apreensão cautelar dos animais".
Ao Expresso, Inês Sousa Real, do PAN, indicou o nome dos canis em causa - Cantinho das Quatro Patas e outro conhecido como o “abrigo da Maria José” -, que se localizam “relativamente perto” um do outro e são “ambos ilegais”. A situação de ilegalidade, garante a deputada, já seria do conhecimento tanto da Câmara Municipal como da GNR de Santo Tirso, tendo inclusive “chegado ao Ministério Público, em 2017, queixas sobre os maus tratos infligidos aos animais em ambos os abrigos”. “Mesmo assim, nunca foi ordenado o encerramento dos espaços pela autarquia, como determina a legislação.”
Em dezembro de 2017, soube-se, de facto, que o Ministério Público (MP) estava a investigar maus-tratos em dois abrigos de cães em Santo Tirso. Segundo uma notícia publicada pela agência Lusa, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto moveu, na altura, um processo-crime a dois abrigos de animais em Santo Tirso, o Cantinho das Quatro Patas e o Abrigo de Paredes, após uma denúncia de maus tratos a centenas de cães.
Um ano depois, o processo era, contudo, arquivado, tendo o MP considerado “não haver crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejectos e mau cheiro” conforme tinha sido denunciado, lia-se no despacho. “Apesar de não prestar as ideais condições aos animais que ali estão acolhidos, pois poderia e deveria estar mais limpo, não existe crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejectos e mau cheiro”, considerou o MP, segundo o qual os animais, “apesar de viverem num local muito sujo, não estavam em sofrimento”.
GNR diz que impediu entrada de pessoas porque “não existia urgência”
No comunicado sobre o incêndio e a morte dos animais divulgado na página de Facebook, o PAN dizia também que “dezenas de cidadãos, organizações não-governamentais e associações de proteção animal prontificaram-se de imediato a prestar todo o auxílio necessário, sendo no entanto barradas tanto pela Câmara Municipal e respetivo veterinário municipal, como pelas proprietárias dos abrigos”. Inês Sousa Real diz que foi pedido acesso ao local à GNR, mas que este foi negado. “A GNR posicionou-se do lado das proprietários dos abrigos, impedindo as pessoas de entrar e, inclusivamente, ameaçando com ordem de prisão todos aqueles que não dispersassem.”
A versão da GNR é, porém, outra. Em comunicado enviado às redações, refere que foi impedida a entrada dos populares num dos abrigos (que se presume ser o Cantinho das Quatro Patas) “uma vez que, àquela hora, já não existia urgência”, dado que “a situação estava já a ser tratada pelas entidades competentes” e também por se “tratar de propriedade privada”. Importa salientar, refere ainda a GNR, “que as consequências trágicas deste fogo não tiveram qualquer correspondência com o facto da Guarda ter impedido o acesso ao local por parte dos populares”. “A essa hora, já tinham sido salvos os animais que foi possível salvar.”
Segundo a GNR, a “maior parte dos cães” foi resgatada com vida “das diversas instalações” afetadas pelo incêndio que deflagrou no sábado numa zona florestal da Freguesia de Sobrado, Valongo, e que se propagou para a freguesia de Agrela, Santo Tirso. “Lamentavelmente, a dimensão do fogo e a grande concentração de animais naquele local, impediram que tivesse sido possível resgatar todos os animais com vida, tendo sido recuperados alguns já sem vida”, refere ainda o comunicado, segundo o qual tendo em conta a ação dos bombeiros “havia condições para que os restantes animais permanecessem no local até que se resolvesse a situação, sendo retirados apenas os animais feridos, por indicação do veterinário municipal”.
E também aqui a versão do PAN difere da das autoridades. Segundo Inês Sousa Real, mesmo depois de os bombeiros terem extinguido as chamas, “o fogo reacendeu mais do que uma vez, sendo visível a angústia dos animais” no interior do Cantinho das Quatro Patas. Quanto à ida do veterinário municipal ao local, “não aconteceu”, diz a deputada. “Ele recusou-se a ir ao local e enviou dois tratadores-apanhadores [funcionários da autarquia] que retiraram apenas um animal do abrigo. Foi dito que não havia razão para tirar os restantes, quando era óbvio que havia.” A informação de que o partido dispõe neste momento aponta para que tenham “sobrevivido apenas 50 dos cerca de 200 a 300 animais” que estavam neste abrigo, “15 dos quais” já foram retirados. No outro, onde se encontravam “cerca de 80 animais”, ainda não se sabe bem o que aconteceu.
PAN vai pedir audição ao ministro da Administração Interna
Será pedida uma audição ao ministro da Administração Interna para apurar responsabilidades, adiantou ainda a deputada. No comunicado divulgado no Facebook, o partido defendeu que a Lei de Proteção dos Animais é clara quanto ao socorro de animais doentes, feridos ou em perigo. “A violação deste dever de cuidado e socorro pode, inclusivamente, fazer incorrer no crime contra animais de companhia, se da omissão de auxílio resultar sofrimento injustificável ou até a morte dos animais, como está a ser o caso”, referiu, reconhecendo, contudo, que o ordenamento jurídico português “apesar de reconhecer que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade, não inclui ainda os animais nos planos de proteção civil”. “Não desistiremos de apurar responsabilidades e de garantir que sejam prestados os devidos cuidados aos animais ainda sobreviventes.”