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“Não sabemos quase nada sobre os vírus que estão a circular em Portugal”

“Não sabemos quase nada sobre os vírus que estão a circular em Portugal”
Arterra

Quem o diz é Pedro Esteves, biólogo especializado em imunogenética e doenças infecciosas e coautor de um artigo científico que identifica um novo vírus de origem sul-coreana que anda a matar esquilos-vermelhos em Portugal

“Não sabemos quase nada sobre os vírus que estão a circular em Portugal”

Carla Tomás

Jornalista

Quase por acaso, uma equipa multidisciplinar de investigadores do CIBIO-InBIO, da Universidade do Porto, descobriu um novo vírus, que anda a infetar esquilos em Portugal. Sabem que se trata de um adenovírus “semelhante a um existente na Coreia do Sul e não ao que anda a infetar esquilos no Reino Unido” e que já matou pelo menos dois esquilos em Portugal, conta ao Expresso o biólogo Pedro Esteves.

O especialista em imunogenética e doenças infecciosas e coautor do artigo sobre a identificação deste vírus em esquilos-vermelhos em território nacional — agora publicado na revista "Transboundary and Emerging Diseases" — alerta para que “ainda não se sabe qual a incidência deste vírus na população portuguesa de esquilos, nem qual a sua taxa de mortalidade”. Apesar de a informação disponível indicar “que é um adenovírus muito diferente dos que estão a circular nos seres humanos”, na realidade, frisa, “não se sabe quase nada sobre os vírus com origem em animais que estão a circular em Portugal”.

O caso de estudo teve na base dois esquilos-vermelhos que tinham sido recolhidos na Serra de Aires e Candeeiros e colocados em quarentena, a pensar num projeto de reintrodução da espécie em parques nacionais. Contudo, os dois exemplares acabaram por morrer ao fim de 18 horas. Feita a necrópsia, a equipa do Cibio-InBIO (em colaboração com a Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa) descobriu a estirpe de adenovírus até então não identificada em Portugal.

Na Alemanha e no Reino Unido estes esquilos têm sido ameaçados por um adenovírus que provoca infeções respiratórias e gastrointestinais e leva “a mortalidades significativas”. Porém, a sequenciação feita ao vírus encontrado no esquilo estudado pela equipa do Cibio-InBio, permitiu aos investigadores perceberem que "é muito diferente do encontrado noutros países da Europa e tem uma proximidade maior com a existente na Coreia do Sul”, explica Pedro Esteves..

Quanto ao como é que cá chegou, como se expandiu, qual a taxa de mortalidade e porque é que há esquilos que sobrevivem e outros não, é que ainda não se sabe. “Para respondermos a estas perguntas temos de fazer estudos mais aprofundados e, para isso, precisamos de financiamento”, alerta o investigador.

A equipa está a pensar em avançar com uma candidatura a um projeto de investigação que dê resposta a estas questões. Porém, segundo o biólogo, para darem esse passo precisam de “interesse e apoio de entidades como o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) ou de autarquias como as do Porto ou de Lisboa”, em cujos parques existem esquilos-vermelhos. Isto porque, sublinha, “para que os programas de reintrodução desta espécie tenham sucesso, é necessário monitorizar a presença deste e de outros vírus nestas populações”.

O especialista em imunogenética e doenças infecciosas lembra que, “muitos vírus, como o Sars-Cov-2, não causam problemas enquanto vivem em animais selvagens que lhes servem de reservatório natural, mas já podem causar quando se abre a porta para que entrem nos animais domésticos ou no homem, que não possuem defesas naturais para lhes fazer frente”.

A espécie de esquilo-vermelho (Sciurus vulgaris) fora dada como extinta em Portugal desde o século XVI, devido sobretudo à destruição e fragmentação dos habitats florestais, e começou a expandir-se novamente desde a década de 80 do século XX, por via de projetos de reintrodução e pela migração natural oriunda de outros países europeus.

O estudo agora publicado na revista "Transboundary and Emerging Diseases" contou com a colaboração de uma equipa multidisciplinar de investigadores de várias universidades. Como coautores seniores contou com Pedro Esteves e Joana Abrantes, responsáveis pelo grupo de investigação Imunidade e Doenças Emergentes do CIBIO-InBIO; e como primeiro autor com João Vasco Côrte-Real. Neste estudo participaram ainda Ana Margarida Lopes, Hugo Rebelo, João Paulo Lopes, Francisco Amorim, Ricardo Pita, Jorge Correia, Pedro Melo e Pedro Beja (coordenador de investigação do Cibio).

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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