Vasco Pulido Valente foi jovem na década certa para sê-lo: foi o próprio que o disse numa entrevista a Pedro Rolo Duarte, na RTP, em 1997. Na mesma conversa, pouco mais de 20 anos antes da sua morte, refletiu sobre os anos 60, o marxismo, a solidão no trabalho e sobre o “tal grande livro de História” que gostaria de escrever.
“Fui muito privilegiado. Se eu pudesse escolher uma época para viver, não poderia ter escolhido melhor: os anos 60, de que agora se diz tão mal, foram talvez a melhor época que o mundo teve para se ser jovem”, refletia com um sorriso terno.
“Houve um sentimento de libertação, de poder fazer o que queríamos, que o mundo estava a mudar, como nunca houve depois. E não havia insegurança nenhuma. Não tive de fazer grande esforço para conseguir as coisas que consegui. Hoje em dia, as pessoas com 20 anos têm de fazer um esforço horrível para, se os conseguem, terem os privilégios que eu tive. Acabar o curso em paz, sem grandes preocupações de emprego. Ter um sítio para escrever aos 18 anos, como eu tive no ‘Almanaque’, depois ‘O Tempo e o Modo’ aos 20. Não ir à tropa, ir para Oxford. Chegar aqui e começar logo a trabalhar. Ainda estava a acabar o doutoramento e já estava a trabalhar na Universidade.”
Quando Pedro Rolo Duarte lhe pergunta se, então, era de esquerda, Pulido Valente hesita e escolhe as palavras mirando o tecto. “Era de esquerda… o que se chamava esquerda naquela altura, mas nunca fui marxista. Nunca fui marxista. E fui das poucas pessoas da minha geração, talvez a única, que escreveu uma profissão de fé antimarxista, no ‘O Tempo e o Modo’. Foram 10 páginas a dizer que o marxismo não tinha qualquer espécie de base de sustentação, filosófica e histórica. O artigo era muito primário, eu era muito ignorante naquela altura, mas foi uma posição que tomei muito cedo, com 20 e poucos anos. (...) As pessoas não o rejeitavam por razões políticas, pela pressão social. Rejeitar o marxismo era rejeitar a esquerda, rejeitar a esquerda, no fundo, era rejeitar o antifascismo e rejeitar o antifascismo era ser salazarista. Sempre me recusei a esse maniqueísmo e às modas intelectuais.”
E o que queria, afinal, para Portugal naquela altura? “Queria que as pessoas fossem menos pobres. Já me contentava com isso, que sofressem menos”, respondeu.
Vasco Pulido Valente morreu esta sexta-feira, aos 78 anos, numa unidade hospitalar de Lisboa. O percurso académico dividiu-se entre a licenciatura em Filosofia e o doutoramento em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1968) e Universidade de Oxford (1974), respetivamente. Investigador, cronista e com passagem fugaz no cinema, escrevendo, foi eleito deputado pelo PSD em 1995, uma experiência que durou apenas quatro meses. Em 1980 foi nomeado secretário de Estado da Cultura.
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