Sociedade

Portugal registou 129 casos de mutilação genital em 2019

Portugal registou 129 casos de mutilação genital em 2019
YASUYOSHI CHIBA/GETTY IMAGES

O número duplicou em relação ao ano anterior (64), mas mais do que um aumento da prática terá havido uma maior capacidade de deteção de casos (novos e antigos) por profissionais de saúde, educação, forças de segurança e segurança social, que durante o último ano tiveram formação específica no âmbito do projeto "Práticas Saudáveis - Fim à Mutilação Genital Feminina".

Portugal registou 129 casos de mutilação genital em 2019

Raquel Moleiro

Jornalista

A mutilação genital feminina (MGF) nunca teve grande expressão em Portugal. A cada ano, a identificação em território nacional de mulheres ou crianças sujeitas a essa prática andou sempre por volta da meia centena, com altos e baixos pouco pronunciáveis, subindo e descendo sem uma tendência certa. Mas os números de 2019 vêm alterar as estatísticas: os 129 casos registados representam uma subida de 101% em relação aos 64 assinalados em 2018.

O que parece indicar uma viragem negativa, é na verdade o resultado de um ano do projeto-piloto "Práticas Saudáveis - Fim à Mutilação Genital Feminina" - coordenado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) -, que visou desencobrir a dimensão do fenómeno com trabalho de proximidade nas zonas de maior prevalência e formação de profissionais de saúde, educação, forças de segurança e segurança social.

O primeiro balanço é apresentado esta quinta-feira, e a data não foi escolhida ao acaso. Comemora-se o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina.

“O trabalho de prevenção da MGF em Portugal ganhou muita força nos últimos anos. O nosso Código Penal reconhece esta prática como crime desde 2015, mas sabemos que a criminalização não basta e por isso temos envolvido todos os sectores da sociedade no trabalho de terreno – hospitais, escolas, autarquias, líderes religiosos, entre outros", explica ao Expresso a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, que garante "existirem cada vez mais pessoas conscientes e empenhadas neste desígnio coletivo".

Rosa Monteiro vai estar na Escola Nacional de Saúde Pública na apresentação dos primeiros resultados do projeto, que ela própria lançou em 2018. E além do balanço, é já certo o anúncio do seu alargamento.

"Com o Práticas Saudáveis, criámos uma equipa estruturada de profissionais de saúde que todos os dias partilham recursos, atuam em rede e aliam esforços com associações locais para salvar meninas e mulheres desta prática nefasta. Estamos também a apoiar oito organizações não governamentais que fazem um trabalho imprescindível em conjunto com os serviços públicos nos territórios do projeto, e contamos com um número crescente de profissionais com qualificação específica nesta matéria. Estas são as palavras-chave: criminalizar, qualificar, envolver”, esclarece.

Centros de saúde em 'alerta'

No terreno, o projeto-piloto centrou-se em cinco agrupamentos de centros de saúde, selecionados por corresponderem aos territórios de maior prevalência da prática: Almada-Seixal, Amadora, Arco Ribeirinho (Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo), Loures-Odivelas e Sintra. São estas as unidades que servem mais população em risco, ou seja, imigrantes de países onde a MGF é prática cultural enraizada, ainda que em muitos já seja proibida.

Em cada agrupamento foram designados dois médicos ou enfermeiros como pontos focais do projeto e 29 profissionais a trabalhar nas unidades referenciadas (9 médicos, 15 enfermeiros, 4 assistentes sociais e uma psicóloga) concluíram o curso de pós-graduação em MGF no Instituto Politécnico de Setúbal em 2019. Outros 1176 realizaram ações de formação de curta duração.

Não é por isso de estranhar, que no balanço do "Práticas Saudáveis" se leia que "entre os efeitos positivos, destaca-se a maior capacidade de profissionais de saúde para registarem casos de mutilação genital feminina que antes não eram detetados". É com base neste resultado, que foi já decidido o alargamento do projeto a cinco novos agrupamentos de Centros de Saúde da área da Grande Lisboa: Cascais, Estuário do Tejo, Lisboa Central, Lisboa Ocidental-Oeiras e Lisboa Norte.

A formação e sensibilização para MGF estendeu-se ainda a professores, técnicas da Segurança Social, elementos das forças de segurança, funcionários das autarquias visadas ou lideranças religiosas, num total de mais de 5600 pessoas abrangidas em 2019.

Para reforçar essa vertente formativa, esta quinta-feira vai também ser apresentada mais uma pós-graduação em MGT, esta na Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa.

Um estudo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, realizado em 2015, estimou que em Portugal cerca de 6500 mulheres com mais de 15 anos possam ter sido sujeitas a MGF e que aproximadamente 2 mil meninas com menos de 15 anos foram ou serão sujeitas a esta prática - fora do país - até atingir esta idade. A maioria é da Guiné-Bissau.

Na União Europeia, 500 mil mulheres já terão sido excisadas e 180 mil estão em risco a cada ano que passa. No mundo, estima-se que 200 milhões de mulheres, raparigas e meninas tenham sido submetidas a esta prática.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMoleiro@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate