No terceiro interrogatório a José Sócrates, o procurador Rosário Teixeira tirou um trunfo da manga: Raul Vilaça Moura, presidente do júri do concurso que atribuiu a concessão do TGV a um consórcio liderado pela Brisa e pela Soares da Costa e de que fazia parte o Grupo Lena, o alegado corruptor-mor do ex-primeiro-ministro. O magistrado confrontou Sócrates com a confissão de Raul Vilaça Moura de que tinha estado no gabinete do ex-primeiro-ministro, acompanhado por Mário Lino, para discutir os riscos inerentes a uma recusa de visto do Tribunal de Contas, como efetivamente veio a acontecer.
Surpreendiido, Sócrates teve uma rara hesitação: “Agora que o acabei de ouvir, a minha ideia é que isso tinha que ver com a terceira ponte… Mas, eh pá, talvez ele tenha uma memória mais fresca do que eu. Ele só se ocupava disso”. Rosário Teixeira insiste, mas José Sócrates afasta responsabilidades. “É muito simples. Tem de chamar o engenheiro Mário Lino. Eu nunca intervim em nenhum concurso.”
Afinal foi Sócrates a chamar não só Mário Lino, mas também Raul Vilaça Moura como testemunhas na fase de instrução da Operação Marquês. Quandoi foi ouvido, Mário Lino negou a tese do Ministério Público e refutou a ideia de ter sido instrumentalizado por José Sócrates para beneficiar os interesses do Grupo Lena. "Os governantes não são mentecaptos", diz ao Expresso.
De acordo com a acusação do MP, Vilaça Moura foi com Mário Lino ao gabinete de Sócrates, porque o ex-primeiro-ministro queria “ser pessoalmente inteirado do estado do procedimento, na sequência da elaboração de um relatório subsequente à avaliação das propostas”. E queria, também, ser “esclarecido acerca dos riscos de recusa de visto (do Tribunal de Contas), num momento anterior à decisão de adjudicação”.
A reunião com o então primeiro-ministro aconteceu depois de a avaliação das propostas feita por um júri presidido por Vilaça Moura ter rejeitado "as mesmas, considerando, no entanto, que mediante determinadas alterações, a proposta da Elos poderia ser considerada para efeitos de adjudicação”, explicou Vilaça Moura aos procuradores.
Em março de 2012, já no Governo de Passos Coelho, o Tribunal de Contas chumbou o projeto por falta de verba. Os juízes notaram que as propostas que passaram à fase de negociações foram alteradas posteriormente e apresentaram um conjunto de condições que não tinham sido aceites na primeira fase do concurso.
Um tribunal arbitral condenou o Estado português a pagar 149 milhões de euros de indemnização ao consórcio, valor que ainda não foi pago.
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