Ao longo dos últimos dez anos, Portugal conseguiu melhorar substancialmente a qualificação da sua população, reduzir o abandono escolar e as taxas de retenção. Ainda assim, há indicadores que continuam a preocupar e a deixar o país aquém de algumas das metas europeias definidas para 2020, sintetiza o último relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE) dedicado ao Estado de Educação e que acaba de ser divulgado.
Além de muitos números, comparações e evoluções, o documento também apresenta várias chamadas de atenção para alguns dos problemas que este órgão consultivo faz questão de colocar na agenda.
Os penúltimos a acabar o secundário
É o caso das retenções que, apesar da diminuição que tem vindo a acontecer, se mantém em valores altos. Uma das formas de o constatar é olhar para o número de alunos que apresentam dois ou mais anos de desfasamento etário face à idade normal de frequência de cada ano de escolaridade. Por outras palavras, os que já chumbaram uma ou mais vezes.
E os números são “muito elevados”, classifica o CNE, indicando os valores: 10.527 crianças no 1º ciclo (1º ao 4º ano) tinham no ano letivo de 2017/18 dois ou mais anos de desvio face à idade normal de frequência. No 2º ciclo do básico (5º e 6º anos) acontecia com mais de 18 mil alunos, o equivalente a 8,6% da população escolar neste nível de ensino. E no 3º ciclo a percentagem subia para os 11,5%, num total de 37.235 estudantes.
Por causa do insucesso acumulado, Portugal acaba por ser o segundo país da União Europeia, logo a seguir à Polónia (em 23 para os quais há dados), em que os jovens concluem mais tarde o 12º ano: em média com 19,76 anos. A média na UE de conclusão do ensino secundário geral é aos 18,5.
Neste capítulo do insucesso, o CNE recupera ainda os desempenhos às disciplinas que são sujeitas a exame nacional no fim do 9º ano. E se a Português, a maioria consegue ter nota positiva nas provas, a Matemática as dificuldades são evidentes, com mais de metade (52%) a ter no ano passado classificação negativa: 21% não passaram de 1 valor (numa escala até 5) no exame nacional e 31% ficaram nos 2 valores. Feita a média com a classificação interna (dada pelos professores e que pesa 70% no resultado final), 30% chumbaram a esta disciplina no 9º ano.
Do lado positivo, refira-se a diminuição das taxas de retenção. No 9º ano, por exemplo, era de quase 18% em 2012/13 e caiu entretanto para 6,5%
Os professores menos jovens da Europa e as dificuldades na carreira
Outro dos problemas já identificados no sistema educativo e com agravamento significativo nos últimos anos prende-se com o envelhecimento do corpo docente. Os números falam por si: no ensino secundário, 1,7% dos professores têm menos de 30 anos; no 1º e 2º ciclos do básico acontece com 1,1%. E no 3º ciclo não vai além dos 0,7%. Valores semelhantes só em Itália. A média na UE ronda os 8%.
No extremo oposto, estão quase metade dos docentes (47%, do pré-escolar ao secundário), que têm 50 ou mais anos. Um fenómeno de envelhecimento que tem vindo a estender-se ao ensino superior.
O relatório do CNE também olha para a distribuição dos professores pelos vários escalões salariais para concluir que, apesar do elevado número médio de anos de serviço, a maioria (58,4%) encontra-se nos primeiros quatro escalões de uma carreira composta por 10 níveis. E apenas “0,02%” estão no topo.
Para esta situação contribuiu o congelamento “prolongado” das carreiras (durante 9 anos) e a não recuperação da totalidade do tempo de serviço (menos de três anos). O CNE dá outro exemplo: no 3º escalão encontram-se 18% dos professores e estes têm em média 48,6 anos e 22,6 de tempo de serviço.
O problema, nota-se no relatório, é que Portugal é um dos países onde a diferença entre o que se ganha em início de carreira e no final é das mais significativas, sendo que os maiores aumentos acontecem nos últimos escalões.
Por estas e outras razões, a carreira tem perdido atratividade, visível na diminuição dos jovens que escolhem os cursos superiores de Educação. Nos últimos dez anos, o número de inscritos no 1º ano destas licenciaturas caiu 2102. Foi a maior quebra de matriculados nas várias áreas de formação.
Menos dinheiro para a Educação
“A despesa em educação e ensino não superior, no continente, aumentou 108 milhões de euros face ao ano anterior e diminuiu 12% (menos 867 milhões de euros), comparativamente ao início do período em estudo (2009), contabiliza o CNE.
Outro indicador que mostra a redução do peso relativo da Educação no Orçamento do Estado é o da despesa nesta área em percentagem do PIB. De acordo com os dados apresentados, passou de 7% em 2009 para 5% em 2018, ainda assim, acima da média da União Europeia.
A redução do número de alunos, por via da diminuição das taxas de natalidade, e consequentemente de professores ajuda a explicar parte da diminuição do investimento.
Desagregando as várias componentes da “educação não superior”, há áreas inclusivamente onde o investimento aumenta, como é o caso da rede pública de ensino básico e secundário e da educação especial e outras onde diminui (ensino profissional e ação social escolar). Já no pré-escolar e educação de adultos, os valores não são muito diferentes dos de 2009.
As desigualdades que persistem e o "determinismo social"
A associação entre recursos económicos, maiores dificuldades de aprendizagem e o subsequente encaminhamento para vias alternativas ao ensino regular continua a ser bem visível. Ou seja, o sistema não tem sido capaz de eliminar uma parte significativa de “determinismo social”, alerta o CNE.
E os números aí estão mais uma vez para o provar. Há muito mais alunos beneficiários da ação social escolar (por terem rendimentos familiares baixos) nos cursos profissionalizantes e alternativos do que no ensino regular.
No ensino secundário profissional, por exemplo, um em cada três estudantes recebe apoio da ação social. E nos cursos gerais acontece com um em cada quatro. Do 7º ao 9º ano, metade dos alunos dos cursos de educação e formação (destinados a quem já chumbou várias vezes) são beneficiários da ação social. Já no ensino regular, acontece com 39%. E nos percursos curriculares, o valor sobe para os 53%.