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Seca no Tejo. As contradições de Matos Fernandes, a renegociação da Convenção de Albufeira e outros pontos

Seca no Tejo. As contradições de Matos Fernandes, a renegociação da Convenção de Albufeira e outros pontos
José Fernandes

A 31 de outubro de 2019, Matos Fernandes, ministro do Ambiente e Transição Energética, negava que existisse qualquer problema. “O rio Tejo não tem falta de água, ponto”, afirmou. Agora, quer reunir com o homólogo espanhol e renegociar os valores de descargas e lançou a ideia da construção de uma nova barragem no rio Ocreza. Tudo o que precisa de saber sobre a seca no rio Tejo

Seca no Tejo. As contradições de Matos Fernandes, a renegociação da Convenção de Albufeira e outros pontos

Fábio Monteiro

Jornalista

A seca é visível, inegável. Devido às políticas (errantes) de gestão de recursos hídricos de Espanha, o caudal do Tejo está em mínimos dos últimos 40 anos e os afluentes Pônsul e Sever praticamente secaram. A chuva que tem caído é claramente insuficiente para repor o caudal.

Há culpas a distribuir por ambos os países da Península Ibérica. Portugal falha na monitorização das descargas, como já noticiou o Expresso; há várias estações hidrométricas que estão avariadas. E Espanha, apesar de toda a polémica e pedidos de esclarecimento remetidos pelo governo português, “voltou a não cumprir a Convenção de Albufeira” no início do ano hidrológico 2019/2020, que começou em outubro, segundo o proTejo - Movimento pelo Tejo. “O caudal em falta é de um milhão de metros cúbicos, volume apurado por terem sido enviados apenas 6,2 milhões e 6,7 milhões de metros cúbicos, respetivamente na 3.ª e 4.ª semanas de outubro, dos 7 milhões semanais acordados”, anunciou na segunda-feira o porta-voz do movimento ambientalista, Paulo Constantino.

Há menos de 15 dias, Matos Fernandes, ministro do Ambiente e Transição Energética, negava que existisse qualquer problema. “O rio Tejo não tem falta de água, ponto”, chegou a afirmar. Agora, garante que quer reunir com o homólogo espanhol e renegociar os valores de descargas acordados na Convenção de Albufeira. No entretanto, o governante lançou ainda para cima da mesa a ideia da construção de uma nova barragem no rio Ocreza, de forma a melhor controlar os caudais vindos de Espanha. Uma solução que demorará, no mínimo, quatro anos a ser concretizada.

Este é um tema que dificilmente irá sair da agenda noticiosa nos próximos dias. As temperaturas máximas vão descer até oito graus a partir de quinta-feira, mas, mesmo assim, parte significativa do país está em seca extrema. Eis tudo o que precisa de saber.

Convenção de Albufeira. O que é? Quando surgiu? O que determina?

A Convenção de Albufeira (CA) é um acordo estabelecido, a 30 de novembro de 1998, entre Portugal e Espanha referente às bacias hidrográficas dos rios transfronteiriços: Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana. Teve por objetivo definir um quadro de cooperação entre os dois países “para o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos”. Entrou em vigor a 17 de janeiro de 2000.

Espanha ficou, então, obrigada deixar “passar” sete milhões de metros cúbicos semanais para Portugal via rio Tejo. Todavia, em caso de seca, o país vizinho teria a liberdade de diminuir este volume, desde que compensasse mais tarde.

Segundo o proTejo, Espanha não cumpriu a convenção no ano hidrológico de 2018/2019, que terminou em setembro. Enviou para Portugal “um máximo de 2695 hectómetros cúbicos dos 2700 hectómetros cúbicos de caudal anual fixado”, denunciou a entidade.

Matos Fernandes, um ministro com opiniões em transição

É possível que quem tenha seguido as declarações de José Matos Fernandes, a propósito da seca no rio Tejo, nos últimos dois anos, se sinta confuso. A 31 de março de 2018, em entrevista ao “Diário de Notícias”, garantiu que “a norte do Tejo” não existia qualquer “problema”, mas já avisava que “devemos continuar a poupar água”.

Cinco meses depois, o “problema” que Matos Fernandes negava que existisse começava a dar sinais. A 24 de agosto de 2018, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) divulgou um relatório sobre a albufeira de Fratel, no distrito de Portalegre, onde se tinham registado valores de oxigénio na água abaixo do limite mínimo. O governante, então, voltou negar “que existam problemas no rio Tejo”. Os níveis de caudal estavam “a ser cumpridos”, afirmou. “O problema não é de quantidade de água, é de qualidade da água. Pedimos que seja provocada uma descarga de superfície para conseguir um arejamento maior”, explicou o dirigente.

Cumprido mais um mês do calendário, as declarações de Matos Fernandes começam a entrar em transição. Mesmo assim, em setembro de 2018, diz que não é necessário “reclamar nenhuma reunião” com a tutela energética em Espanha. “Temos, de facto, um problema com a qualidade da água que já dissemos que é [um problema] e, por isso, não vale a pena reclamar nenhuma reunião. Nós temos estado em conversação contínua com os nossos colegas espanhóis, sendo que, de facto, a albufeira de Cedillo neste momento, está parcialmente eutrofizada e tem água com muito má qualidade e isso é, obviamente, uma preocupação para nós e que estamos a gerir em conjunto”, afirmou.

Chegados a 31 de outubro de 2019, o ministro do Ambiente e da Transição Energética ainda estava em estado de negação. “O rio Tejo não tem falta de água, ponto. O rio Tejo não tem falta de água. Onde existe falta de água, existe de facto, é num afluente do rio Tejo, na margem direita, que é o rio Pônsul”, afirmou.

Quatro dias depois, contudo, já considerava "inaceitável" a forma como Espanha tinha gerido o caudal do Tejo. Logo de seguida, pediu uma reunião urgente com a homóloga espanhola. “Portugal nunca deixará de pugnar para que Espanha seja mais regular nos caudais que manda”, com regulação diária, reconhecendo que haverá sempre alturas de maiores caudais. Considerou que, para todos os efeitos, Espanha cumpriu a convenção, mas “de uma estranha forma”.

Na passada segunda-feira, disse estar à espera de uma resposta de Espanha para discutir os caudais acordados na Convenção de Albufeira e "garantir a regularidade dos caudais". "Não basta falar dos mínimos da semana ou do dia – é preciso que os mínimos do trimestre cresçam”, frisou.

Uma barragem no rio Ocreza: a solução?

A ideia foi lançada, na semana passada, por Matos Fernandes: uma nova barragem no Tejo, de forma a controlar as flutuações de caudal. “Temos de, num afluente do Tejo, o mais próximo possível da fronteira, e parece-me claro que é o Rio Ocreza, construir uma barragem para podermos regularizar os caudais a partir de Portugal", afirmou, em entrevista à “TVI”.

Passados alguns dias, desta feita em declarações à “TSF”, o ministro passou detalhes específicos do projeto. Revelou também que já havia sido dada a indicação à APA para estudar o cenário de uma barragem no rio Ocreza. “Chegaremos ao verão com um estudo prévio para essa barragem, com várias alternativas, que nos diga quanto custa cada uma - o que não quer dizer que possa ser completamente paga, mas há uma parte que deve ser rentável para rega, produção de eletricidade, e que indique os principais impactos ambientais”, garantiu.

“Se tivermos o estudo em junho [de 2020], vamos ter de o discutir publicamente, mas quero acreditar que no outro OE já haja verba para o projeto”, disse. A concretização desta solução – que está longe de ser imune a críticas de especialistas ambientais – demorará, contudo, “pelo menos quatro anos”.

Falhas no controlo das descargas

O cumprimento ou não da Convenção de Albufeira é mais um problema de Portugal que de Espanha, garantiram vários especialistas em recursos hídricos ouvidos pelo Expresso. Na sequência das descargas abruptas feitas em setembro pelos espanhóis em Cedillo, a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH) convocou investigadores e técnicos para debater o tema.

“Há falta de monitorização clara e transparente dos nossos rios e continuamos a não ter, ou pelo menos não é conhecida, uma política de gestão da água dos nossos rios”, disse Susana Neto, presidente da APRH, ao Expresso.

Segundo Manuela Portela, professora do Instituto Superior Técnico, não se encontra na base de dados da APA “uma única das 29 estações hidrométricas da bacia do Tejo com informação”.

Solução a curto-prazo: renegociar com Espanha

Espanha tem feito ouvidos moucos a todos os pedidos de explicações que Portugal tem remetido. Na segunda-feira, à margem do evento “Business2Sea” sobre a saúde dos Oceanos, Matos Fernandes disse esperar esta semana “alguma resposta” sobre a gestão conjunta dos caudais do Tejo entre Portugal e Espanha.

“Houve ontem [domingo] eleições em Espanha e, portanto, como a número dois do Governo espanhol disse, vamos certamente durante esta semana ter uma resposta sobre aquilo que podem ser as negociações pensadas no longo prazo para podermos ter uma maior regularidade de caudais no rio Tejo”, disse.

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