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Um kit, uma polémica e uma demissão: tudo o que se sabe sobre o caso das golas antifumo inflamáveis

Um kit, uma polémica e uma demissão: tudo o que se sabe sobre o caso das golas antifumo inflamáveis

A notícia “irresponsável e alarmista” sobre as golas antifumo inflamáveis, assim Eduardo Cabrita a retratou na sexta-feira, ganhou novas dimensões em pouco mais de 72 horas: o ministério da Administração Interna abriu um inquérito e o adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil também se demitiu. Eis tudo o que se sabe até o momento

Um kit, uma polémica e uma demissão: tudo o que se sabe sobre o caso das golas antifumo inflamáveis

Fábio Monteiro

Jornalista

Pode afirmar-se com alguma certeza: o caso das golas antifumo inflamáveis apanhou o Governo de surpresa na sexta-feira. Em menos de 24 horas, Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, anunciou a abertura de um inquérito urgente sobre contratação de material de sensibilização do programa “Aldeia Segura”, quando, a princípio, havia classificado a notícia avançada pelo “Jornal de Notícias” como “irresponsável e alarmista”. Já no domingo à noite, o governante disse que o tema era uma “controvérsia estéril”. Entretanto, o adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, Francisco Ferreira, demitiu-se após ter sido noticiado o seu envolvimento na escolha das empresas para a produção dos 'kits' de emergência. Neste momento, há ainda muitas questões por esclarecer. Este é o resumo de tudo o que se sabe.

Quando arrancou a polémica?

O caso das golas antifumo, fabricadas com material inflamável (100% poliéster) e sem tratamento anticarbonização, chegou aos jornais nacionais na sexta-feira. Uma notícia avançada em primeiro lugar pelo “Jornal de Notícias”. As proteções de rosto, assim como outros equipamentos também compostos por materiais potencialmente perigosos em situação de incêndio, foram distribuídas por 1909 povoações no âmbito do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/Lusa

Quando foram distribuídos os kits?

Os kits de proteção contra incêndios foram distribuídos pela Proteção Civil durante os meses que antecederam o verão. Esta atividade foi coordenada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) em parceria com as juntas de freguesia locais.

Quem forneceu e quanto custaram as golas?

Pelo que foi possível apurar, a empresa Foxtrot Aventura recebeu 267 mil euros pelo fornecimento dos “kits” de emergência do programa “Aldeia Segura”. Ora, do valor total adjudicado pela Proteção Civil, 102,2 mil euros mil (+ IVA) foram alocados para a produção de 70 mil golas antifumo. Porém, há neste ponto dois senãos: as golas saíram a um preço superior ao habitual neste tipo de produto e a ANEPC não fez uma consulta pública para este serviço.

Em declarações ao Expresso na sexta-feira, a ANEPC recusou-se a explicar por que motivo foi ultrapassado o limite de 75 mil euros previsto para o regime de consulta prévia, que só pode ser justificado por um critério material, nomeadamente “urgência imperiosa”. A Proteção Civil não revelou também porque não optou por abrir um concurso público tendo em conta esse valor.

Note-se: a ANEPC recorreu a dois procedimentos de Consulta Prévia para permitir aquisição de “Golas” e de “Kits de Autoproteção”, com consulta às seguintes entidades: Foxtrot Aventura, Unipessoal, Lda, Brain One, Lda, Codelpor, S.A, MOSC – Confeções. Lda, EDSTATES – Confeções e Bordados, Unipessoal, Lda.o.

Qual a origem da empresa Foxtrot Aventura?

A Foxtrot Aventura foi fundada a 18 de dezembro de 2017, menos de dois meses depois da criação do programa “Aldeia Segura” e define-se como uma “empresa com fins de turismo de natureza” e “exploração de parque de campismo e caravanismo.” O dono da empresa é Ricardo Peixoto Fernandes, marido da socialista presidente da junta de freguesia de Longos, em Guimarães, Isilda da Silva.

Quem comprou os kits?

A responsabilidade sobre a encomenda dos “kits de incêndio” ainda não está apurada - a título definitivo - e há até ligeiras contradições. No domingo, o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, afirmou que a encomenda foi feita pela Autoridade Nacional de Proteção Civil. Todavia, esta segunda-feira, o “Jornal de Notícias” avança que foi Francisco José Ferreira, seu adjunto e presidente da concelhia do PS/Arouca, que recomendou as empresas - Foxtrot Aventura e Brain One, Lda - para a compra das 70 mil golas antifumo inflamáveis e restantes elementos do kit da Protecção Civil. De acordo com o jornal, os contratos foram coordenados pela Secretaria de Estado da Proteção Civil. Francisco José Ferreira, 30 anos e com o 12.º ano, foi nomeado por Artur Neves como “técnico especialista” em dezembro de 2017. Antes, era padeiro numa pastelaria em Vila Nova de Gaia, propriedade do irmão.

Que ligações há ao PS neste caso?

Ricardo Peixoto Fernandes, dono da Foxtrot Aventura, é marido da socialista presidente da junta de freguesia de Longos, em Guimarães, Isilda da Silva, mestre em Marketing e Gestão Estratégica e 1ª Secretária da Associação dos Bombeiros Voluntários das Caldas das Taipas. A empresa Brain One, Lda., por sua vez, tem ligações ao secretário de Estado da Proteção Civil. Há vários anos que recebe adjudicações da câmara de Arouca, localidade onde Artur Neves foi autarca durante doze anos, até ir para o Governo.

Quais as consequências?

A mais imediata foi a demissão de Francisco Ferreira. O adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil - e também presidente da concelhia do PS/Arouca - pediu para sair após ter sido tornado público que esteve envolvido na escolha das empresas para a produção dos kits de emergência, tendo recomendando as empresas a serem contratadas. Além da demissão, já antes o ministro da Administração Interna pediu a abertura de um inquérito urgente.

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