
Os proprietários do terreno onde cresceu a Cova da Moura tentam há mais de 40 anos reaver a sua propriedade. Sem sucesso. Agora arriscam a mais improvável das soluções
Os proprietários do terreno onde cresceu a Cova da Moura tentam há mais de 40 anos reaver a sua propriedade. Sem sucesso. Agora arriscam a mais improvável das soluções
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Como caracterizar formalmente o Alto da Cova da Moura? Um bairro é talvez insuficiente, embora a Câmara Municipal da Amadora (CMA) o classifique assim. Cidade miniatura? Manifestamente exagerado. Gueto? Toda a gente diz que não. Zona crítica? Do ponto de vista social, poderá dizer-se que sim. Sítio de gente boa? De certeza. Território perigoso? Também é possível, dependendo do sítio, da hora, da circunstância — como em todos os bairros, em todas as cidades, até no melhor dos guetos. Cercada por estruturantes vias de desenvolvimento, a Cova da Moura nasceu do fim da ditadura, transformando-se lentamente numa espécie de finisterra independente, mais ou menos como uma colónia perdida dos mais variados herdeiros da descolonização, que se foi abrigando num planalto à sombra híbrida de cova. Um emaranhado de gente num emaranhado de casas, num lugar emaranhado por uma cidade, emaranhada por outra. É um enorme complexo, que vive a céu aberto na sociedade portuguesa. Tem muitas culturas numa cultura própria, muitas esquinas, muitas intersecções, becos e travessas, oficinas, hortas, tascas, comércio, suor, ruído, tijolo, alvenaria, grafitti, antenas parabólicas, estendais, tanques de lavar roupa, degraus, buracos, inclinações, ruas capazes de passar por artéria, outras em que da janela se alcança a janela do vizinho, outras tão estreitas que nem o sol se atreve a lá entrar, outras que parecem um retrato neorrealista de uma aldeia perdida num subúrbio rural. A geometria da Cova da Moura é variável. Há assimetrias por toda a parte e inegáveis influências de variadíssimas correntes da pobreza numa arquitetura de condição.
Antes da grande vaga descolonizadora, que se seguiu ao fim da guerra ultramarina, já a emigração e a migração doméstica tinham subtraído ao interior boa parte da sua população. Os anos 60 foram deixando as aldeias cheias de velhos a reinventar o paradigma da saudade, enquanto em França se desenvolvia o conceito de “bidonville portugais”, com réplicas mundo fora, e em Lisboa tomava forma uma enorme teia suburbana, que a ordem das coisas encaminhou para a periferia, onde os cenários da sua ruralidade perdida perdiam consistentemente para o betão. Nos anos 60, o Alto da Cova da Moura era, como tantos desses sítios, marcadamente rural. A sua toponímia era em boa razão uma metonímia, sendo que ambas indiciavam uma pedreira no local, que remonta ao século XVIII (pré-terramoto), à época da construção do Aqueduto das Águas Livres, que hoje dá nome à freguesia onde se enquadra administrativamente o Alto da Cova da Moura.
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