6 julho 2019 13:17

Sobrinho Simões, um dos mais reconhecidos cientistas portugueses
rui duarte silva
Média dos cortes atinge 35% e introduz “incerteza e instabilidade nalgumas das melhores unidades de ciência do país”, diz o abaixo-assinado que o Expresso aqui divulga e que critica as regras criadas pelo Governo. Maria do Carmo Fonseca, Daniel Traça, Pedro Magalhães, Sobrinho Simões e Elvira Fortunato entre os signatários.
6 julho 2019 13:17
Cortes no financiamento de Unidades de I&D “Excelentes”: estruturar ou desestruturar o sistema científico e tecnológico nacional?
Foram divulgados, no dia 21 de junho, os resultados provisórios da avaliação internacional às Unidades de I&D que decorreu entre outubro de 2017 e junho de 2019. Foram avaliadas 348 unidades, das quais 62 novas, e que incluíam um total de 19 418 investigadores doutorados, mais do quíntuplo do número de há duas décadas anteriores. São dados que mostram a dinâmica e a vitalidade do sistema científico e tecnológico. Também por isso as expectativas eram elevadas em relação aos resultados e ao financiamento. Esperava-se aquilo que se espera sempre de um processo de avaliação difícil, exigente, arrastado no tempo (dois anos). Por um lado, reconhecer, apoiar, e reforçar a capacidade e o potencial de todas as unidades de reconhecido mérito e qualidade, classificadas com Bom, Muito Bom, ou Excelente; por outro, fortalecer a sustentabilidade financeira e a eficiência do sistema no seu conjunto no futuro próximo.
Em parte isso foi feito. Unidades que tiveram a classificação de “Bom”, e que não haviam sido financiadas após a avaliação em 2013, receberam, merecidamente, um reforço do apoio. A distribuição global dos apoios tornou-se mais equitativa. Assim, 132 unidades que não receberam qualquer financiamento no concurso anterior têm agora verba atribuída. No concurso anterior, as 18 unidades com maior financiamento concentravam 50% das verbas. Neste, esse número aumentou para 68.
Contudo, este reforço da equidade do sistema fez-se à custa do reconhecimento do mérito e do esforço de muitas unidades classificadas com “Excelente”. Entre estas, 26 tiveram uma redução de financiamento com cortes que variam entre os 8 por cento e os 64 por cento, situando-se a média da percentagem de corte no financiamento em 35%, e com a maioria (18) a ter reduções acima dos 20 por cento. É importante ter em conta que todas estas unidades procuraram recrutar e formar os melhores investigadores do país, investiram fortemente em redes e infraestruturas, candidataram-se sempre aos concursos internacionais e diversificaram as fontes internacionais de financiamento da ciência em Portugal, incluindo através das bolsas do European Research Council, prova de que nelas se tem feito alguma da melhor ciência do país e da Europa. É também nestas unidades que mais se tem procurado reforçar o emprego científico, por no seio delas se encontrarem alguns dos centros com maior número de investigadores especialistas em áreas fundamentais do SCTN (biomedicina, física, engenharia, políticas públicas…).
O que significam cortes na ordem dos 40, 50, ou 60 por cento no financiamento da FCT (base e plurianual) para uma instituição científica? Este financiamento é (era) o que mais contribuía para financiar os recursos humanos. Tipicamente, 80 por cento era para pagar salários e o resto contribuía para apoiar outras atividades fulcrais (apoio à publicação internacional, apresentação e organização de conferências, candidaturas a concursos internacionais, etc.). Importa também chamar a atenção para o facto de uma unidade de investigação ter de assumir compromissos a médio e a longo prazo. Perante os painéis de avaliação internacional, e como elemento de avaliação crucial neste exercício, as unidades apresentaram a sua agenda científica, o planeamento das suas atividades nos próximos cinco anos, as suas metas de publicação e de divulgação e garantias de que seriam capazes de as executar no futuro próximo, em função do número e da qualidade dos seus investigadores. As unidades classificadas como “Excelente” obtiveram tal classificação porque esses compromissos pareciam credíveis e porque lhes permitiriam continuar a ser instituições “de referência internacional” (outro dos critérios de classificação). Contudo, que organização consegue cumprir compromissos e preservar o seu estatuto de referência com cortes desta magnitude?
Em suma, ao tentar introduzir mais equidade no sistema, o financiamento proposto acaba por sacrificar a necessidade de recompensar e defender o ideal de excelência e de assegurar a eficiência e a sustentabilidade do sistema científico no seu conjunto. Os cortes propostos para tantas unidades de excelência retiram valor a esta classificação, colocam em risco o pacto de confiança existente entre tais instituições e a tutela, introduzem incerteza e instabilidade nalgumas das melhores unidades de ciência do país e põem em causa os compromissos que assumiram perante os painéis de avaliação internacional.
Por último, merecem-nos umas palavras as soluções encontradas pelo MCTES para os problemas óbvios causados pelos resultados desta avaliação. Estas unidades “Excelentes” foram informadas de que poderiam submeter-se a novo concurso competitivo e a novo processo de avaliação internacional, no próximo ano, para adquirirem o estatuto de “Laboratório Associado”, o que lhes permitiria reforçar o financiamento agora atribuído. Transformar o processo de atribuição do estatuto de laboratório associado num concurso competitivo é saudável para o sistema científico. No entanto, para as unidades que sofreram agora cortes, subsistem os problemas da incerteza até terminar o novo processo de avaliação. Pode demorar um ano, dois anos, ou mesmo três anos, como ocorreu com o último concurso, previsto para o início da legislatura. Depois, para lidar com o problema da sustentabilidade financeira destas unidades a curto prazo, bem como o dos compromissos que assumiram entretanto, o MCTES propõe também conceder-lhes, em 2020, 90% do diferencial em relação ao financiamento anterior. A proposta pode parecer magnânima. Mas o mínimo seria assegurar o financiamento anterior (sem aumentos mas também sem cortes), pelo menos até 2023 ou até se conhecerem os resultados do novo concurso. Subsistem, portanto, a incerteza, o renunciar a compromissos, a perspetiva de fuga dos melhores investigadores e o cenário de redução drástica do financiamento para aquelas unidades que não venham a atingir o estatuto de Laboratório Associado.
Signatários
Adelino Canário (CCMAR), Ana Nunes de Almeida (ICS ULisboa), Aníbal Traça de Almeida (ISR-UC), António Costa Pinto (ICS-ULisboa), António Jacinto (CEDOC, NMS|FCM), António Sousa Ribeiro (CES), Arminda Alves (LEPABE), Bruno Silva Santos (iMM), Carmo Fonseca (iMM), Cláudio Soares (ITQB), Cláudio Sunkel (i3S), Daniel Traça (NovaSBE), Elvira Fortunato (I3N), Eugénio Campos Ferreira (CEB-UM), Gun Semin (WJCR), Higino Correia (CMEMS-UM), João Paulo Dias (CES), João Sentieiro (ex-Presidente FCT), João Rocha (CICECO), Joaquim Manuel Sampaio Cabral (IBB), Jorge Vala (ICS-ULisboa), José Alberto Santos-Victor (LARSyS), José Luís Cardoso (ICS-ULisboa), José Manuel Afonso (IA), José Manuel Sobral (ICS ULisboa), Karin Wall (ICS-ULisboa), Luís de Sousa (ICS-ULisboa), Manuel Carrondo (iNOVA4Health), Manuel Pedro Ferreira (CESEM), Manuel Sobrinho Simões (IPATIMUP), Maria de Sousa (emérita IBMC), Maria João Romão (UCIBIO), Maria Mota (iMM), Marina Costa Lobo (ICS-ULisboa), Marta Moita (Champalimaud Research), Mónica Bettencourt Dias (IGC), Pedro Magalhães (ICS-ULisboa).