Sociedade

“Fechaduras”, o garganta funda de Tancos e das Glock roubadas na PSP

“Fechaduras”, o garganta funda de Tancos e das Glock roubadas na PSP
Foto Marcos Borga/Visão

É uma testemunha-chave nos processos de Tancos e das 57 pistolas Glock roubadas à PSP. Ao contrário da esmagadora maioria dos arguidos destes dois casos, Paulo L. decidiu falar às autoridades. Está no entanto por apurar se contou toda a verdade

“Fechaduras”, o garganta funda de Tancos e das Glock roubadas na PSP

Hugo Franco

Jornalista

É quase uma lenda no submundo do crime. Todos o conhecem por “Fechaduras”, alcunha que ganhou por ser capaz de abrir todo o tipo de portas com recurso ao mínimo de ferramentas. “Faz lembrar o MacGyver da série dos anos 80. Mas muito do que ele se gaba é só isso: pura gabarolice”, conta um advogado da área criminal que se cruzou com ele na barra dos tribunais.

Nos últimos meses, o seu nome surgiu associado a dois mediáticos processos: o assalto aos paióis de Tancos e o roubo das 57 pistolas Glock do armeiro da PSP.

Ao contrário da esmagadora maioria dos arguidos de ambos os casos, “Fechaduras” (na realidade chama-se Paulo L.) optou por falar. E não falou pouco. Está no entanto por apurar se o que revelou aos procuradores do Ministério Público que lideram ambos os processos terá alguma correspondência com a realidade. E continua a ser um mistério a razão de ter decidido abrir a boca. “Ele é como uma carta fora do baralho. Não segue o velho código do silêncio dos restantes suspeitos. Resta é perceber se vai sofrer algum tipo de represália por isso”, confidencia um outro advogado de um destes dois casos.

Armazém onde as armas de Tancos terão ficado escondidas depois do assalto
Foto Tiago Miranda

A ETA, a ‘branca’ e o BMW preto

No processo de Tancos, “Fechaduras” foi constituído arguido mas ficou em liberdade depois de ser ouvido pelos procuradores Vítor Magalhães e João de Melo há cerca de um mês. Garantiu que foi Laranginha (um dos nove detidos na segunda parte da Operação Húbris) que combinou entregar os explosivos furtados a um elemento da ETA, organização terrorista que já desapareceu do mapa. Também assegurou que o furto nos paióis da madrugada de 28 de junho de 2017 era liderado por Laranginha e João Paulino, ex-fuzileiro que está em prisão preventiva desde o final de setembro.

“Fechaduras” acabou por ser igualmente investigado pela PSP no âmbito do roubo das 57 Glock do armeiro na sede daquela força de segurança. De acordo com o Ministério Público, dois agentes do armeiro foram desviando aquelas armas para o mercado negro durante o ano de 2016. Em janeiro do ano seguinte, a PSP deu pela falta das pistolas depois de uma delas ter sido encontrada nas mãos de traficantes de droga.

Inquirido, Paulo L. revelou que soube das Glock numa viagem ao Porto, por sugestão da mesma dupla (Laranginha e Paulino). A sua missão era ajudá-los a reaver 13,5 mil euros de um negócio de tráfico de droga levado a cabo com um tal “Manuel dos Bifes”. Mas como este não tinha o dinheiro consigo, acabou por lhes entregar um BMW 530 de cor preta, deixando todos satisfeitos. Foi na viagem de regresso de Porto para Coimbra que Paulino terá mostrado a “Fechaduras” uma pistola Glock com a inscrição “Forças de Segurança” que se encontrava escondida num compartimento junto às mudanças.

Este chegou mesmo a descrever aos procuradores um alegado diálogo entre os três homens, já depois de chegarem a Coimbra após o encontro no Porto com “Manuel dos Bifes”:
“Já lhe mostraste o brinquedo?”, pergunta Laranginha a Paulino.

“Sim”, responde Paulino sorridente.

“Não conseguirias despachar aquilo?”, pergunta depois Laranginha a “Fechaduras”.

Venda das Glock no Algarve

Ainda de acordo com o seu testemunho, João Paulino ter-lhe-ia confessado ter comprado seis das 57 Glock “roubadas à bófia”. Os preços no mercado negro rondavam os €1800 a €2800. E depois vendeu-as a três homens que moravam em Albufeira, terra de onde é natural o alegado líder do assalto a Tancos e que negociou a posterior entrega do arsenal com a GNR de Loulé e a Polícia Judiciária Militar.

Nesta inquirição no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Paulo L. acabou por admitir que vendia a droga de João Paulino e de Laranginha. Os três homens ter-se-ão conhecido em Albufeira, para onde “Fechaduras” se mudou há alguns anos após deixar o Porto. “Ninguém vende ‘chamon’ (haxixe) ou heroína em Albufeira. A vender-se ali ou é erva ou é ‘branca’ (cocaína). Mais nada. E eu também fiz isso. Não vamos estar aqui agora a atirar areia para os olhos...”, afirmou aos procuradores.

Em relação ao tráfico de armas, os negócios iniciaram-se pelas Glock e culminaram no assalto a Tancos. No início de 2017, “Fechaduras” teria sido contratado pelo mesmo grupo para arrombar os paióis nacionais. Um serviço pelo qual ganharia 50 mil euros. Mas não terá aceitado o trabalho. Em compensação, deu a Paulino e companhia algumas dicas sobre a compra de um saca-cilindros em Espanha, ferramenta ideal para retirar os canhões das fechaduras.

Chamaram-me três vezes para fazer o assalto com eles e eu não fui. A partir daí puseram-me de lado.” Depois do assalto, o grupo chegou a suspeitar que “Fechaduras” os tinha denunciado às autoridades. E a relação de cumplicidade entre eles evaporou-se. Ou não. No submundo do crime, nem tudo o que parece é.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: HFranco@expresso.impresa.pt

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