Sociedade

Um quilo de bife emite tanto CO2 como andar 150 km de carro

Um quilo de bife emite tanto CO2 como andar 150 km de carro
Marcos Brindicci/Reuters

Reduzir o número de vacas e alterar a dieta alimentar fará bem à saúde e ao ambiente. Governo propõe reduzir o número de cabeças de gado bovino para metade

Um quilo de bife emite tanto CO2 como andar 150 km de carro

Carla Tomás

Jornalista

Já se sabia que comer carne vermelha em excesso faz mal à saúde. O que muitos não sabiam é que o seu consumo excessivo também é prejudicial para o ambiente, seja ao nível dos gastos e da contaminação de água e de solos, seja nas emissões de gases de efeito de estufa, como o metano ou o dióxido de carbono. Globalmente, o sector agrícola — com particular peso do sistema de produção de carne e de produtos lácteos — é responsável por um quinto das emissões de dióxido de carbono e gases equivalentes (CO2eq). E em Portugal por 10%.

Globalmente, o sector agrícola — com particular peso do sistema de produção de carne e de produtos lácteos — é responsável por um quinto das emissões de dióxido de carbono e gases equivalentes (CO2eq), segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). E multiplicam-se os estudos internacionais a alertar para a necessidade de se mudar radicalmente a dieta alimentar, com cortes substanciais no consumo de carne, sobretudo nos países mais ricos, onde em média se ultrapassam as 2500 calorias de carne e gordura diária recomendadas.

É nesta linha que surge a proposta do Governo de reduzir para metade o número de bovinos até 2050, incluída no Roteiro para a Neutralidade Carbónica — apresentado terça-feira em Lisboa e que será levado à Cimeira do Clima da ONU na Polónia (COP24), na próxima semana. O documento (que estará em consulta pública até fevereiro e pode sofrer alterações) indica que a agricultura contribui para cerca de 10% das emissões de CO2eq nacionais e que mais de dois terços destas emissões têm origem na produção pecuária, com o gado bovino à cabeça. Segundo vários estudos, por cada quilo de bife produzido em sistema semi-intensivo em Portugal são emitidos até 27 kg de CO2eq, resultantes da digestão dos ruminantes e da aplicação de fertilizantes nas pastagens — é o equivalente a uma viagem de carro de 146 quilómetros.

O anúncio caiu como uma bomba no sector agrícola, sobretudo porque o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, assumiu publicamente que “tudo isto vem num quadro de maior liberalização do comércio mundial” e que “a carne de vaca vai chegar a Portugal a preços mais competitivos”. Portugal importa cerca de metade da carne que consome, e exporta animais vivos, o que eleva a pegada carbónica, tendo em conta os custos de produção, transporte e distribuição.

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) manifestou “surpresa e oposição” ao anunciado, argumentando que a medida pode “comprometer o crescimento económico”. O presidente da CAP defende que o país “tem é de reduzir o que importa e não o que produz”. E sustenta que “se as pastagens biodiversas fixarem 500 toneladas de CO2 e emitirem 140, há um balanço positivo”.

Em socorro dos agricultores, o secretário de Estado das Florestas, Miguel Freitas, sublinha que “a componente animal é absolutamente essencial no sistema agrossilvopastoril” nacional, que o assunto deve ser “debatido em profundidade” e que as metas agora apresentadas “são um ponto de partida e não de chegada”.

Matos Fernandes assume que este é o sector que menos controla, já que “depende muito da Política Agrícola Comum (PAC)”, mas acredita que a União Europeia “vai ser coerente com os compromissos com a neutralidade carbónica” apresentados recentemente, e que “definirá uma PAC que garanta mais apoios e medidas agroambientais mais eficazes”.

A nova PAC “dá muito mais flexibilidade aos Estados-membros para definirem os instrumentos que vão utilizar para fazer face às alterações climáticas”, afirma Francisco Avillez, que coordenou o sector agrícola deste roteiro. O economista agrário admite que Portugal consiga atingir a neutralidade carbónica “sem uma redução tão significativa do efetivo bovino”, mas afirma que haverá instrumentos de política que passam pelo fim de subsídios que levarão naturalmente à redução do número de vacas. Para o especialista, é necessário também apostar nos sistemas extensivos e na agricultura biológica e de precisão.

É tudo uma questão de comunicação e só agora o tema está a entrar na agenda em Portugal. “A carne de vaca está para a agricultura como o carvão e o petróleo estão para a energia”, sublinha Júlia Seixas, especialista na área da Energia e Alterações Climáticas, lembrando que no sector da energia e dos transportes já se está a trabalhar há mais tempo. “Temos que reduzir o consumo de carne”, afirma, salientando que este debate começa agora em Portugal, mas já tem caminho feito noutros países. Um inquérito recente no Reino Unido indica que 35% dos britânicos são vegan, vegetarianos ou reduziram drasticamente o consumo de carne por razões de saúde, de ética perante os animais e de sustentabilidade ambiental.

“A questão do clima e das emissões de carbono é absolutamente prioritária e os cidadãos têm que perceber que temos mesmo de impedir que as temperaturas subam mais de 1,5°C”, reforça Alfredo Cunhal Sendim, que se dedica à produção agroecológica no Alentejo. “A soberania alimentar portuguesa só é possível com uma alimentação baseada na dieta mediterrânica, que exige muito menos carne”, diz.

Dentro de 12 anos 80% da energia elétrica será produzida por fontes renováveis e a meta são 100% em 2050. Para tal é preciso duplicar a produção eólica e solar, apostando na descentralização da produção. As casas vão passar a ter painéis solares para autoconsumo e venda à rede

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Prevê-se uma alteração significativa dos sistemas de produção, com maior eletrificação de fontes renováveis, robotização e redução da intensidade energética. As centrais a carvão vão fechar até 2029 e as de gás natural entram em fase out em 2040. Será o sector com maiores emissões

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As casas e escritórios deverão ser energeticamente mais eficientes, e os consumos de energia serão reduzidos até 60%. A eletricidade que nos chega a casa será 90% renovável e os painéis solares contribuirão para 80% das águas quentes. Espera-se três vezes mais conforto térmico e o uso partilhado de eletrodomésticos

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Dentro de seis a 12 anos deixará de compensar comprar veículos a gasóleo ou a gasolina. Em 2030, os carros elétricos serão mais eficientes e baratos e representarão 1/3 da mobilidade. Em 2040, os autónomos e/ou partilhados serão metade dos que circulam e em 2050 não haverá combustíveis fósseis na estrada

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O aumento da área florestal e a redução da área ardida para metade contribuirão para que o país tenha capacidade para absorver a quase totalidade das emissões de CO2 em 2050 (cerca de 12 megatoneladas). Haverá mais área de agricultura biológica e de precisão e aumenta a área de produção hortícola e de pomares

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A deposição de resíduos em aterro não poderá ser superior a 10% em 2035 e, 15 anos depois, a produção de lixo per capita cairá 25%, associada a uma maior reutilização dos produtos no quadro da economia circular e a uma redução do desperdício alimentar, que deverá atingir 50% a 80%

A deposição de resíduos em aterro não poderá ser superior a 10% em 2035 e, 15 anos depois, a produção de lixo per capita cairá 25%, associada a uma maior reutilização dos produtos no quadro da economia circular e a uma redução do desperdício alimentar, que deverá atingir 50% a 80%

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