Polémica atrasa Museu das Descobertas
Estratégia da autarquia para desenvolver novos núcleos museológicos na capital atravessa impasse
Estratégia da autarquia para desenvolver novos núcleos museológicos na capital atravessa impasse
Jornalista
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“Nasceu uma polémica que se desenvolveu e eu não a vou alimentar.” A afirmação do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) esta semana ao Expresso sobre o museu dedicado aos Descobrimentos e à expansão portuguesa, iniciativa incluída no programa de Fernando Medina, revela o desconforto da autarquia com um tema que tem dividido historiadores e intelectuais em Portugal e até em algumas universidades internacionais. Da Descoberta? Das Descobertas? Da Viagem? Da Peregrinação? Do Encontro? As designações não param de surgir nos jornais e em artigos de opinião, mas, para já, a única certeza é que já decorreu um ano desde a posse de Medina e o projeto está parado. Ontem, novo revés: cem afrodescendentes subscreveram um manifesto no jornal “Público”, recusando a criação do museu e a utilização de impostos para esse fim e propondo a construção de um Museu da Resistência Negra.
No programa eleitoral de Medina, intitulado “Afirmar Lisboa Como Cidade Global”, o museu “Da Descoberta” é apresentado como “uma estrutura polinucleada na cidade que inclua alguns espaços/museus já existentes e outros a criar de novo e que promova a reflexão sobre aquele período histórico nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica, científica, cultural nos seus aspetos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”. Nada se diz, no entanto, sobre o conteúdo e a origem do espólio. Contactada, a autarquia sublinha que “não tomou qualquer decisão, de qualquer natureza.”
A museóloga Simonetta Luz Afonso foi convidada para coordenar o arranque do museu, mas recusou. Desde então, não foi encomendado nenhum estudo, nem se sabe qual será a localização do museu. Este compasso de espera gera reações opostas. Para João Pedro Marques, historiador com vários livros publicados sobre a escravatura, “a abertura de Portugal ao mar e, através dele, à África, Ásia e América, foi um acontecimento extraordinário, carregado de consequências, boas e más, e deve dar origem a um museu que deverá chamar-se Museu dos Descobrimentos”. Mas se o problema for a designação, propõe que a Câmara “ponha alguns nomes à votação dos munícipes.”
O historiador recorda que “infelizmente, o tráfico de escravos africanos e a sua utilização forçada no mundo atlântico decorreu dos Descobrimentos” e, por isso, defende, “a evocação da escravatura deve fazer parte do Museu dos Descobrimentos, com a dimensão e o realce que correspondam à importância que teve na história da cidade e do Portugal metropolitano”. Mas alerta ser “desaconselhável” que haja um museu específico sobre a escravatura, receando que os defensores dessa ideia desejem um “anti-Museu dos Descobrimentos”.
Posição diversa é defendida por Beatriz Dias, presidente da DJASS, Associação de Afrodescendentes, que mostra satisfação com o adiamento do projeto do Museu das Descobertas: “Quero acreditar que este atraso seja uma resposta à polémica que a divulgação da iniciativa gerou, vista como um reforço da narrativa hegemónica da colonização. O que é importante é que se desista do projeto”. A associação promove este sábado no Museu do Aljube um debate sob o mote “Que História(s) contamos no espaço público?”. Em discussão estará também a criação em Lisboa de um memorial de homenagem às pessoas escravizadas, uma proposta da DJASS aprovada na última edição do Orçamento Participativo de Lisboa e que, segundo Beatriz Dias, encontra-se em fase de definição do caderno de encargos. O objetivo é que o monumento seja construído na Ribeira das Naus, mas também neste caso, embora mais adiantado, não há certezas. “Apenas que o memorial será construído”, garante.
Outro revés foi sentido pelo Museu Judaico. Há uma semana, o Tribunal Administrativo deu razão à Associação do Património e População de Alfama, que contesta a localização no Largo de São Miguel e sugere a sua transferência para o Jardim do Tabaco. As obras estavam suspensas devido às festas da cidade e vão continuar paradas até nova decisão judicial. A autarquia vai recorrer. Este caso é mais complexo porque o conteúdo museológico está definido, foram feitas demolições, compradas várias peças e restauradas outras. Esther Mucznik, em nome da comunidade israelita, diz apenas que “o Museu Judaico é irreversível”. A situação será alvo de uma reunião na CML na próxima semana.
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