Sociedade

Divertido ‘fenómeno’

Divertido ‘fenómeno’
josé caria

No Entroncamento há uma mesa inusitada que se faz acompanhar de uma cozinha elaborada

E tudo começou com um melro branco... A improbabilidade de se encontrar esta ave retintamente negra com a penugem no seu espectro cromático diametralmente oposto é tão inusitada como falar do Entroncamento sem lhe referir os fenómenos. Pois este, da inusitada alvura de um melro que surgiu na quinta de um tal doutor Rivotti, foi a primeira notícia espetacular da localidade relatada pelo entroncamentense Eduardo O. P. Brito. A partir dos anos 40 este jornalista local foi revelando raridades como uma árvore que dava três frutos diferentes, um carneiro com um quarteto de cornos, um ovo de galinha com quase um quilograma, e legumes gigantes como abóboras, laranjas, etc.

Na sua coluna “Cá pelo burgo”, o repórter foi cimentando a ideia de que o Entroncamento era uma ‘terra dos fenómenos’, e para ele também o foi pois em 2002 viu o seu nome ser dado a uma rua do concelho, com ele (felizmente) ainda vivo, o que é fenomenal. Eduardo O. P. Brito faleceu em 2009 com uns belos 97 anos, mais de 75 deles de atividade jornalística e mais uns quantos como funcionário da CP. Pois é, como era previsível a etimologia da terra está ligada ao entroncamento ferroviário que aqui se dá entre as linhas do Norte e da Beira Baixa. Esta confluência fez da estação local um ponto fulcral nas viagens de finais do séc. XIX.

Dissimulado num prédio recente de uma zona residencial da cidade, junto a um supermercado, fica o restaurante Flor de Sal. Espaço aberto há cerca de seis anos pela mão dos mesmos proprietários do extinto Pic’s em Torres Novas. A sala abre-se com surpresa ao subir as escadas ressaltando um ambiente acolhedor com diversos objetos antigos nas paredes e pormenores decorativos a remeterem para o passado, sem caírem no enfado. Surgiram as “Entradinhas regionais” (€4 pax), sobre uma régua de madeira com copinhos de metal onde vinham uns troços de farinheira e chouriço grelhados de nível curial, boas azeitonas temperadas com zesto (vidrado) de laranja, um paté indiferenciado, melão com presunto, e umas gulosas bolinhas de pão quente feito na casa (€2,50). O “Queijo artesanal amanteigado” (€6) era uma espécie de parente afastado do de Azeitão, mas de produção vizinha, agradável, embora de qualidade inferior.

Nos pratos a “Tranche de dourada da costa braseada” (€12) era uma douradinha de calibre e gordura ventral pouco ‘selvagem’, aberta em livro e desespinhada, saborosa e guarnecida com batata a murro e um delicado naco de couve cozido a vapor. Designação errada no “Roastbeef no forno” (€12) um belo naco de entrecôte de novilho, rosado no interior, mas a brilhar menos quando conjugada com alguns adornos como um crocante de massa filo, pimenta rosa e mel, apostos sobre a carne. O nome do prato é que não se coaduna em nada com o clássico roastbeef inglês, onde uma peça alta do lombo ou da vazia é assada lentamente, ficando rosada ao centro, para depois ser rolada sobre sal e pimentas moídas, e fatiada em tiras finas. Uma telha de barro preto foi o suporte de uma belíssima “Perna de cordeiro à moda da serra” (€15) com a carne a delir-se do osso, peça completa, generosa e muito saborosa com batatas rijadas, couve coração de grande nível (a exibir doçura natural). O prato da noite.

O serviço do anfitrião (e não só) é pautado pelo bom humor, mas com conhecimento e dedicação. Carta de vinhos bem composta e variada, a preços abordáveis. A lista de doces surge num improvisado computador portátil de madeira com o trio escolhido a fazer o pleno na satisfação e execução. A imaginativa “Galinha dos ovos de ouro” (€4) era a dita em loiça a fazer de cobertura a um par de ovos de chocolate recheados com doce de ovos, sobre uma cama de fios deles. O “Doce conventual de amêndoa ‘que vem nos livros’” (€4) levou a designação à letra quando uma caixa de madeira a mimetizar um livro se abriu para revelar uma taça do doce conventual, generosamente servido. Delicioso e muito cremoso o “Risoto doce com gelado de limão” (€4) feito com a nata do leite e um belo gelado a fundir-se no arroz.

Vale bem a pena confluir para este entroncamento de cozinha apurada, serviço atento e divertido, boas ideias e decoração envolvente, num local inusitado que merece ser visitado, e descoberto neste novo ano. Pois a vida pode ficar um pouco mais saborosa com uma pitada deste Flor de Sal.

FLOR DE SAL

Rua Adelaide Cabete, 21 — Entroncamento
Tel. 292 623 490 ou 911 757 477
Encerra ao domingo

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