O incêndio que no final de Junho deflagrou no planalto mirandês, avançando pelas arribas do Parque Natural do Douro Internacional, queimou o único ninho conhecido de abutre preto na região, com uma cria ali nascida este ano e que ainda não sabia voar.
As arribas do Douro Internacional começaram a ser recolonizadas há cerca de cinco anos por esta espécie que chegou a estar extinta em território nacional, e que foi reocupando áreas históricas de ocupação em Portugal, fruto de projetos de conservação e do aumento da população espanhola do outro lado da fronteira.
“O abutre preto é uma das espécies mais ameaçadas a nível europeu e em Portugal há muitos poucos casais reprodutores”, lamenta Joaquim Teodósio, biólogo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), entidade que coordena o projeto transfronteiriço “Life Rupis” que visa recuperar as populações de abutre do Egipto e águia perdigueira no Douro Internacional, ao mesmo tempo que beneficia outras como o abutre-preto e o milhafre-real. O projeto − co-financiado pelo fundo europeu Life − conta com mais oito parceiros, entre os quais o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a GNR, a Vulture Conservation Foundation e ONGs locais).
“A morte desta cria não põe em causa o projeto de conservação, mas deixa-nos sem saber o que vai acontecer a seguir, tendo em conta a fragilidade dos ecossistemas e das espécies”, explica Joaquim Teodósio. O biólogo lembra que “os incêndios são um problema grave para o país e para as populações humanas, junto das quais se concentram os meios de atuação e combate, mas também são um problema para os ecossistemas e as espécies da flora e da fauna que neles vivem e que podem representar valores únicos que se perdem”.
Estima-se que em Portugal existem cerca de 13 casais de abutre preto no Tejo Internacional, um no Douro Internacional e outro na região de Barrancos. Os projetos de conservação existentes pretendem reduzir a mortalidade destes espécimes e aumentar o sucesso reprodutor dos pouco casais que começaram a criar do lado de cá da fronteira, fruto de uma expansão das colónias espanholas.
“Bosquete de Zimbro pode levar 200 anos a recuperar”
Também o incêndio que no final de julho deflagrou em Castelo Branco, atravessando o concelho de Nisa e chegando a Vila Velha de Ródão, atingiu o monumento das Portas de Ródão e “destruiu um bosquete de zimbro, que pode levar 200 anos a recuperar”, lamenta Samuel Infante, dirigente da associação Quercus. O fogo não poupou as escarpas desta zona do Tejo que servem de habitat para várias espécies de abutres e outras aves de rapina como a águia de Bonelli, mas ainda não se apuraram todos os danos.
“Neste momento temos 50 animais internados no Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens (CERAS), em Castelo Branco, e até junho já tinham passado pelo centro 250 animais, quando a média anual são 200”, explica o ambientalista.
O Parque Natural da Serra da Estrela é outra das áreas protegidas que está a ser fustigada pelos incêndios deste verão. Fonte do ICNF diz que “ainda é cedo para balanços dos danos causados nas áreas protegidas” e que “não há condições para andar a contar os animais mortos em mais de 160 mil hectares de área ardida”. Contudo, confirma que a cria de abutre preto no Douro Internacional “já foi recolhida para necropsia e comprovou-se que foi morta pelo fogo”.
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