A primeira vez que ouvi falar do Tinder, a aplicação de encontros mais escaldante do momento, foi há uns três anos, numa esplanada no Príncipe Real, em Lisboa. Estava a tomar um copo com amigos, a maioria mulheres, e uma mostrou-me como a app funcionava: os perfis iam aparecendo no ecrã, com umas fotos e um par de informações básicas, e tudo o que era preciso fazer era deslizar o dedo no ecrã para a direita, se gostássemos do que víamos, e para a esquerda, se não era bem aquilo que procurávamos. Depois, era só esperar que o interesse fosse recíproco e... "it's a match!": podíamos falar com a pessoa num chat. A Tinderela ou o Príncipe Encantado podiam estar a um clique de distância.
Parecia um jogo divertido, mas as reações quase lembravam o famoso "é o drama, o horror, a tragédia" de Artur Albarran. Havia quem achasse que a aplicação parecia "uma caderneta de cromos", quem a comparasse a um supermercado "onde se procura o melhor naco de carne", quem acreditasse que ali só poderiam estar pessoas desesperadas. Eu devia estar muito desesperado porque instalei o Tinder nessa noite. E, nos dias e nas semanas seguintes, encontrei na app todas aquelas amigas que tão horrorizadas se tinham confessado quando a conheceram. Uma ficou pouco tempo, porque se cruzou com um colega de trabalho e não queria que no emprego soubessem que ela "andava naquela vida". Mas quase todas se mantiveram por lá, entrando num círculo vicioso de encontros sucessivos, quecas ocasionais, relações "fast food" numa era onde o sexo é tão acessível com um hambúrguer do McDonald's. Quem nunca o fez que atire a primeira pedra.
Não vale a pena fintar a realidade: para muita gente, de todas as idades, géneros e orientações sexuais, o Tinder é um desbloqueador de sexo fácil. Conheci lá mulheres que me perguntavam quanto tempo demorava a chegar a casa delas sem que tivéssemos trocado mais do que quatro ou cinco frases. Estrangeiras que não queriam deixar Lisboa "sem carimbar o passaporte sexual". E uma mulher, casada, que depois de uma hora de conversa me deu acesso a uma pasta de computador partilhada com várias fotos dela despida e vídeos de sexo com outros homens. "Às vezes, não chegamos sequer a tomar café, vamos diretos ao assunto. A única questão é: carro ou casa", contou-me Inês, uma jovem de 19 anos, para a reportagem "Love me, Tinder", que a revista do Expresso publica este sábado.
Há, claro, muito boa gente a quem isto não chega. Mulheres e homens fartos de relações ocasionais, amigos coloridos, poços sem fundo. Que ainda acreditam na alma gémea, embora esta "não exista", garante o psicólogo Miguel Ricou. Gente que, com tantas opções, não consegue escolher nenhuma – o psicólogo Barry Schawartz chama-lhe "paradoxo da escolha". Mulheres fartas de "dick pics" (fotos do pénis) que os homens lhes insistem em enviar sem pré-aviso e de conversas onde o sexo é a única intenção.
Será o fim do romance? Bom, é prudente não nos apressarmos na conclusão. Não falta quem tenha histórias felizes de amigos que se conheceram no Tinder. Na reportagem conto duas: a da atriz Catarina Mira, que conseguiu "o jackpot" ao segundo encontro, e a de Catarina Beato e Pedro Góis, que casaram mês e meio depois de se conhecerem e que são hoje pais de uma menina, o primeiro caso conhecido de um "Tinder baby" português. Há ainda o "Ricardo" [o nome é fictício para lhe proteger a identidade], que conheceu o atual namorado no Grindr, uma app para homens gays e bissexuais. Tudo o que procurava era sexo anónimo, de uma noite, sem direito a repetição, mas acabou por apaixonar-se.
A Inês, as Catarinas, o "Ricardo", são todos jovens, bonitos, bem sucedidos. Não correspondem em nada à imagem do encalhado socialmente inapto que muitos associam aos sites de encontros. O Tinder está cheio de gente assim, gente a quem não faltam pretendentes, mas a quem falta sempre qualquer coisa. Estão lá a deputada, a apresentadora de televisão, o radialista, o ator, a modelo com que muitos sonhamos, a assistente de bordo com um caso em cada escala, o advogado, o jornalista, a médica, a empregada de balcão, a lojista. É um bar de solteiros "aberto 24 horas por dia", na feliz expressão de Aziz Ansari, autor de "O Amor nos Tempos Modernos", mas onde não faltam casados e comprometidos, sempre a olhar por cima do ombro do(a) companheiro(a).
Houve um tempo em que se namorava nos adros da igreja, nos bailes de aldeia, nos bancos da escola e de jardim, à janela. Depois, as discotecas e os bares tornaram-se os novos templos do engate. "Aceitas um copo?" tornou-se o desbloqueador de conversa para uma noite que podia acabar no carro ou numa cama qualquer. Agora, nem é preciso sair de casa. Basta um smartphone e abre-se um mundo de possibilidades infinitas. Se não sabemos o que fazer com elas, podemos mesmo culpar a tecnologia?
Artigo publicado na edição do Expresso Diário de 21/07/2017
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