Sociedade

Centro judaico contestado em Cascais

Zona da Costa da Guia, 
em Cascais, onde está prevista a construção 
do equipamento
Zona da Costa da Guia, 
em Cascais, onde está prevista a construção 
do equipamento
NUNO BOTELHO

A edificação do equipamento gera uma divisão entre moradores. Os críticos querem um espaço verde

Centro judaico contestado  em Cascais

Paulo Paixão

Jornalista

A construção em Cascais de um centro de conhecimento da comunidade judaica, projeto da Associação Chabad Portugal com colaboração da autarquia, tem a oposição de moradores da Costa da Guia, zona onde ficará o equipamento (na Rua dos Vidoeiros, frente ao cemitério da Guia). Os descontentes com a iniciativa da Câmara (esta cedeu o direito de superfície de uma parcela de cinco mil metros quadrados, a troco de uma renda simbólica) agruparam-se no movimento SOS Costa da Guia. Os contestatários pretendem que o terreno seja transformado num jardim, prolongando um espaço verde onde está um parque infantil. A parcela pertencia até há pouco tempo a privados (à Igreja Católica), antes de entrar no domínio municipal, após acordo entre a autarquia e os proprietários.

A posição daqueles residentes está, no entanto, longe de fazer o consenso no bairro. Com efeito, a Associação de Moradores Verde Guia, com existência formal desde há 17 anos, só a 8 de agosto discutirá o assunto, em assembleia geral extraordinária. Mas a Verde Guia tem mantido contactos com a Câmara e com a Associação Chabad. Dessa forma tem integrado o processo de discussão, assumindo uma concordância genérica com a edificação do centro.

Pedro Jordão, porta-voz do SOS Costa da Guia, movimento que já lançou uma petição “contra a destruição da zona verde na Rua dos Vidoeiros”, acusa a associação de moradores de inércia, pois “passado um mês da assinatura do acordo entre a Câmara e a Associação Chabad [a 18 de maio] não foi feita qualquer divulgação do problema junto dos residentes”. Jordão, que nas próximas autárquicas será candidato em Cascais por um movimento independente, salienta que a população está dividida. Assegura que “pelo menos quatro membros da direção da associação de moradores [num total de 14] assinaram a petição” do SOS Costa da Guia (grupo que há cerca de um mês abriu a sua página no Facebook). Ruben Silveira, o presidente da Verde Guia, reconhece que entre os 300 sócios há “variadíssimas sensibilidades” e acusa o SOS Costa da Guia de ter colocado “o carro à frente dos bois”.

Do “Jewish Life and Learning Center” (Centro de Aprendizagem da Vida Judaica), farão parte, segundo a Câmara, um “supermercado kosher, biblioteca, auditório, zona de formação e zona de oração”. A Chabad, em resposta ao Expresso “em nome do rabino Eli Rosenfeld”, é menos minuciosa na discriminação das valências do centro: será “dedicado aos estudos judaicos e à história judaica” e terá uma “biblioteca”, com destaque para estudos portugueses sobre o tema. O centro deverá também constituir um “sentimento de orgulho para toda a comunidade [local], independentemente da religião”.

O espaço que o centro dedicará ao culto é um ponto controverso. Em posições já tomadas, o SOS Costa da Guia disse estar prevista uma sinagoga, mas a autarquia desmente, salientando tratar-se de uma “zona de oração”. Em que consiste isso exatamente? A Câmara endossa esclarecimentos à Associação Chabad. E esta responde à sua maneira: “[O centro] será também um lar para as necessidades religiosas da comunidade judaica que vive na área [de Cascais]”.

A Câmara, liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras, rebate as objeções do SOS Costa da Guia, salientando que “Cascais é historicamente um ponto de encontro de religiões, povos e culturas” e que o centro “vai ao encontro das necessidades de muitos cidadão judeus que encontram em Cascais, e em Portugal, a sua casa”. De resto, defende a autarquia, a iniciativa “regenera o território” (recentemente, foi um estaleiro de obra) e é “semelhante” ao que existe “em algumas das mais prestigiadas e tolerantes cidades do mundo”. Nas críticas, a SOS Guia crê que o projeto “obrigará, muito provavelmente, ao abate dos pinheiros e outras árvores”. A Associação Chabad assegura que “irá respeitar a flora e as árvores da Guia”, e “integrar-se harmoniosamente na paisagem”.

Os oponentes do centro invocam a “vontade histórica dos moradores”. Com efeito, estes têm um historial de oposição bem-sucedida. “Já rejeitámos uma igreja [católica], uma ciclovia e, através do orçamento participativo, um relvado foi transformado num espaço zen, todo vedado”, regozija-se o presidente da associação de moradores. Pedro Jordão junta mais exemplos: os travões a um loteamento com seis blocos de apartamentos e um centro comercial, ao projeto da Igreja Católica que incluía também capelas mortuárias e um salão polivalente e, mais recentemente, a um dog park e a hortas comunitárias, em que os moradores usaram a arma da “impugnação do processo de licenciamento”.

Tudo somado, é deveras um rico pecúlio de conquistas, ganhas pela contestação popular numa zona que “tem um dos IMI mais elevados de Cascais”, como lembra a SOS Costa da Guia. Segue-se mais uma reivindicação, se ela for sufragada na assembleia geral de 8 de agosto.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: PPaixao@expresso.impresa.pt

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