8 abril 2023 10:45

Tiago Miranda
As culpas são repartidas por todos
8 abril 2023 10:45
Quando falamos de generosos e o assunto é vinho, por norma falamos de três tipos: Porto, Madeira e moscatel. Este é, sem dúvida, o trio maravilha de que nos podemos orgulhar, ao qual agora deveremos acrescentar o Carcavelos. A melhor manifestação desse orgulho deveria traduzir-se num consumo regular daqueles vinhos mas… falamos, falamos e não consumimos. Todo o português que se preze tem uma garrafa de Porto em casa mas, à força de esperar pelo momento certo para a abrir, vai acabar por beber um vinho decadente, se não mesmo morto. Depois vai falar a toda a gente que afinal o vinho do Porto é uma treta quando é ele próprio o culpado de ter bebido um vinho sem graça. Em boa verdade a culpa é também repartida pelas empresas do sector, sem exceção. Ninguém promove, ninguém explica como se consome e ninguém diz o que é para guardar e o que é para consumir asap. A restauração também não sai bem na fotografia. Tente o leitor recordar-se da última vez que num restaurante o empregado lhe sugeriu que com esta sobremesa o que vai bem é este Porto ou aquele moscatel. Não se lembra, pois não? É que, na restauração também acontece o que, há algum tempo, o dono de uma casa sempre cheia e onde se sai sempre a pagar pelo menos €40 por pessoa, me disse: ficarem a beber vinho do Porto? Nem pensar, depois nunca mais se vão embora e o que eu quero é rodar as mesas! Pois é, a folha Excel fala mais alto e o negócio não se prende com bebidas que suscitam conversas e ambiente descontraído, sem horas marcadas. Tentei há dias lembrar-me exatamente da última vez que o sommelier de serviço tinha feito o trabalho que lhe competia e não me recordei. Alguns restaurantes vão argumentar que têm garrafas abertas à disposição dos clientes, nomeadamente tawnies e Colheita; o que já não dizem é há quanto tempo as garrafas estão abertas e o vinho que vão servir está, provavelmente, sem vida e sem graça. A coisa nem parece assim tão complicada. Vejamos: abre-se uma garrafa de Porto vintage, por exemplo, passa-se o vinho para um decanter e diz-se ao cliente: hoje temos este vintage aberto que vamos servir a copo. O preço a cobrar (e há vintages a preços cordatos) levará o cliente a concordar com a ideia e, ao fim de oito ou dez copos a garrafa está esgotada; amanhã abre-se outra, até de outra marca, e o cliente sabe que o vinho está em plena forma. A sobremesa inclui citrinos? O moscatel poderá ir na perfeição! Se for pudim ou leite-creme o tawny velho, o Colheita ou mesmo um Madeira Bual ligarão perfeitamente. A casa tem uma boa carta de queijos? O Porto LBV entra perfeitamente nesse jogo. O que seguramente não faz qualquer sentido é termos dos melhores vinhos generosos do mundo, e dos mais originais, e não fazermos nada por eles. E o renascido Carcavelos? Estamos a falar de um vinho muito elegante e polivalente que alegrará qualquer mesa. Todos têm a sua tarefa, as autarquias das regiões produtoras, as empresas, os fornecedores de copos (sim, que não se pode beber e ter prazer num bom generoso com copos miseráveis) e quem escreve sobre o tema, quem pontua, quem organiza eventos. Neste tema não há santos de um lado e pecadores do outro. Todos têm de arregaçar as mangas.