Televisão: Frida Kahlo por ela própria, um documentário genuíno

Filmes sobre Frida Kahlo (1907-1954), de documentário ou de ficção, não é propriamente coisa que falte ao cinema, tal é a abundância de obras que abordaram a figura, a maioria delas, é curioso, já neste século. A mais popular é porventura o biopic que Julie Taymor realizou há 20 anos, com Salma Hayek a encarnar a pintora mexicana — no papel que lhe valeu a sua única nomeação para o Óscar até à data. Mas o filão é bem vasto. A personalidade forte e o espírito rebelde de Kahlo, a sua atração por forças libertárias e o seu feminismo avant la lettre tornaram-na exemplo a seguir por causas que apareceram recentemente ou que, sem serem novas, vestiram diferentes roupagens. De facto, a artista abordou no seu tempo, e de forma genuína e espontânea, temáticas prementes hoje em dia como a identidade de género, a injustiça racial ou o pós-colonialismo. Nesta perspetiva à partida já saturada, este “Frida”, de Carla Gutiérrez (que antes fez carreira como montadora), tinha tudo para ser ‘apenas mais um’. Mas consegue ser original e por isso foi premiado, no festival de cinema em que se estreou, este janeiro último, em Sundance. O documentário simula uma ‘voz interior’, trabalha dramaticamente um olhar que nos chega da própria Kahlo, anuncia-se, aliás, como o primeiro filme a usar em exclusivo as palavras dela, isto é: tudo o que se ouve, ou se lê, de texto, foi Kahlo que o disse ou escreveu, em trechos ora tirados do seu diário e de cartas, ora de ensaios e de respostas de entrevistas. É uma boa ideia que faz todo o sentido ao pensar-se que a obra de Kahlo, que manuseou os mais diversos elementos da cultura popular do seu país, teve sempre um fortíssimo pendor autobiográfico.