Do universo Star Wars já saíram prequelas, sequelas, filmes de animação, de antologia — sem esquecer os originais — e séries centradas em personagens canónicas, mas esta, uma produção limitada com apenas duas temporadas de 12 episódios cada, esta traz algo de novo. É um thriller de espionagem, intriga e política centrado numa personagem que, tendo tido um papel importante no spin-off “Rogue One: Uma História Star Wars”, de 2016, é, no contexto desta cosmogonia, indubitavelmente uma figura menor: Cassian Andor. Dá-se o caso de ser também das personagens mais interessantes a despontar dessa galáxia longínqua.
Diego Luna regressa ao papel de espião da Aliança Rebelde que conhecemos em “Rogue One”, onde ajudou Jyn Erso (Felicity Jones) a roubar os planos técnicos da Estrela da Morte, tapando assim um buraco com quase 40 anos no enredo do filme original: como é que os rebeldes sabiam que uma explosão no núcleo da Estrela da Morte significaria a sua destruição? Consulte-se “Rogue One” para descobrir.
No lugar de criador e argumentista de Andor está Tony Gilroy, que coescreveu a trilogia Bourne, e escreveu e realizou o thriller legal “Michael Clayton — Uma Questão de Consciência” — pelo qual foi nomeado para os respetivos Óscares de realização e argumento original. Ou seja, ao leme deste projeto está alguém que aprecia personagens complexas, com carácter, que não são intrinsecamente boas nem más, nem branco nem preto, e cuja moral se pinta em diferentes tons de cinzento.
Dá-se a coincidência de o parágrafo acima assentar como uma luva na descrição de Cassian Andor, que nas primeiras cenas de “Rogue One” assassina a sangue-frio uma fonte de confiança, que afirma estar envolvido nessa luta desde os seus seis anos de idade e que, no fim, sacrifica a sua própria vida para salvar a galáxia. “É uma pessoa bastante fascinante. Quanto da construção desta personagem conseguiremos mostrar?”, questionava de forma retórica Tony Gilroy numa conferência de imprensa, explicando o que o levou a envolver-se com a série que, em 2018, quando começou a ser pensada pela Disney, contava outra história.
Gilroy não tinha responsabilidades no projeto, mas como o seu trabalho em “Rogue One” — onde entrara a meio para reescrever o guião, filmar cenas novas e ajudar o realizador Gareth Edwards a resolver problemas de montagem — fora apreciado por Kathleen Turner, chefe da Lucasfilm, esta, valorizando a sua opinião, enviou-lhe o guião da série. Note-se que apesar de uma rodagem e pós-produção muito atribuladas, “Rogue One: Uma História Star Wars” acabou por ser um sucesso de bilheteira, faturando para cima de mil milhões de euros. Mais importante: na forma suja e cínica como mostra a “guerra” de “A Guerra das Estrelas”, “Rogue One” é bem capaz de ser o mais bem conseguido filme da saga — e o mais original — a seguir a “O Império Contra-Ataca” (1980).
Gilroy não desgostou do que leu, mas achava que a ideia de Cassian e o seu androide K-2SO assaltarem a Cidadela não aguentaria 20 episódios. Por isso escreveu um longo e-mail a Kathleen Turner, um manifesto, sobre o que é que a série deveria ser. O manifesto foi lido, apreciado e, ato contínuo, ignorado. O estúdio ia seguir uma direção diferente, mas passados dois anos estava de volta ao ponto de partida. E, de repente, a ideia tresloucada de Gilroy começava a ser vista com outros olhos.
Se “Rogue One” se afastava do cânone pautado por lutas entre o lado bom e o lado mau da Força, “Andor” desenha uma tangencial a esse imaginário “Star Wars” — e nunca lhe chega a tocar, pelo menos não na primeira temporada, da qual o Expresso viu quatro episódios. A série começa cinco anos antes dos eventos do filme e acompanha a evolução de Cassian, de ladrão e contrabandista a mercenário, de rebelde a chefe dos serviços de espionagem da Aliança. A ideia é condensar cinco anos de história em duas temporadas de 12 episódios cada. A primeira temporada acaba de estrear-se na Disney+, onde três episódios estão disponíveis desde quarta-feira. Já a segunda temporada será formada por quatro blocos de três episódios, cada um representando um ano, com o último episódio a desaguar no início de “Rogue One”.
Em “Andor”, o protagonista está longe, muito longe de ser um herói. Encontrámo-lo num planeta industrial em declínio, um mundo de sucateiros marcado pela pobreza e pelo descontentamento que começa a fervilhar em relação ao Império. Os primeiros episódios são pausados. Dão tempo e espaço para a construção das personagens, das suas histórias, motivações e agendas. Quem não soubesse o que estava a ver, dificilmente pensaria em Star Wars — e está tudo bem com isso.
Tony Gilroy quis revelar a origem da personagem desde os primeiros dias, por isso vai entrecortando o presente com flashbacks da sua infância. Mas mais do que mostrar duelos com sabres de luz, que não os há, “Andor” procura retratar trabalhadores fabris, colarinhos azuis, burocratas e outras personagens que no papel seriam perfeitamente secundárias, mas que têm tanto interesse quanto Gilroy quiser que tenham, o que não é pouco. “Quis que isto fosse sobre pessoas séries”, disse. “Eles criaram esta saga que é, na sua essência, sobre uma família real. E é ótima. Mas nesta galáxia há milhões e milhões de outros seres. Como são as suas vidas?”
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