
Em “O Silêncio dos Livros”, ensaio de 2005, George Steiner percorre as diferentes formas de hostilidade contra o texto escrito desde a Antiguidade
Em “O Silêncio dos Livros”, ensaio de 2005, George Steiner percorre as diferentes formas de hostilidade contra o texto escrito desde a Antiguidade
Jornalista
Este pequeno ensaio de George Steiner, acompanhado por um de Michel Crépu que revisita alguns dos seus temas de forma às vezes um pouco pomposa (e por um prefácio interessante de Onésimo Teotónio de Almeida), é uma reflexão de maturidade de um dos mais importantes intelectuais do nosso tempo. Nele, leitores antigos de Borges encontram algumas ideias e observações que lhes chegaram primeiro através do mestre argentino — e muito mais, naturalmente. O ensaio chamou-se primeiro “O Ódio ao Livro”. Titulado dessa forma, era razoável presumir que se tratasse de uma defesa do livro contra as ameaças que ele enfrenta atualmente. Na verdade, apesar de essas ameaças serem reais — não por acaso, um dos maiores ‘heróis’ planetários dos nossos dias é alguém que em tempos admitiu, sem embaraço e talvez com orgulho, que nunca tinha lido um livro — a indústria livreira continua a produzir uma quantidade assombrosa de livros todos os anos, ao ponto de essa abundância, como sugere Steiner, se haver tornado ela própria uma ameaça para a literatura, na medida em que o ritmo de rotação nas livrarias impede obras novas de construírem o seu público ao longo de um período razoável de exposição paciente. (Posso atestar a importância desse fator para os leitores. A minha descoberta pessoal do próprio Borges aconteceu há mais de 40 anos através de um exemplar de “Ficções” que se encontrava há muito tempo numa prateleira de uma livraria em Lisboa. Ainda hoje regresso a essa edição, e tenho a certeza de que sem esse encontro acidental a minha descoberta do escritor teria demorado mais e seria bastante diferente.) Mesmo com cultura visual, internet, multiplicação das distrações, encurtamento da atenção e tudo o mais que se sabe, o livro mantém-se popular, e durante os confinamentos da covid foi uma das poucas formas de entretenimento que se mostraram não só possíveis como indispensáveis. A experiência pode parecer menos imersiva do que, digamos, um concerto rock ou uma grande refeição, mas quem se habituou a ela sabe que isso não é verdade. Basta pensar naqueles leitores que mergulham a tal ponto numa história que ao fim de umas horas os seus corpos se encontram em posições bizarras, alheados de si mesmos. Essas cenas tanto se produzem em casa como em lugares públicos, e talvez um dia apareça um fotógrafo que lhes faça justiça.
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